segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O POÇO

Visitei um poço intacto com lábil sossego.
Soterrado pela pedra que ardia,
Bem sabia, a secura do lábio era degredo;
E isso a que chamamos passado é arremedo
De tantos fios retesados que nas ordinárias horas se partem.

De tarde, distantes dinastias com que sonhara
Retornavam alegrias de anos longes acalentados.
Do que foi venerado em pensamento ainda relho se descascava

Do que foi raiva, do que foi faina,
Do que foi consentimento.
Já não sei se foram ou se invento
Tantas infâncias recordadas.

Definia-me uma provisoriedade já não mais dolente
Mas ramo resiliente de planta
Que entortou sua inteireza maciça ao corte da pedra defronte.

Uma pureza indecifrável arregimenta.
O corpo pregresso a perder-se nos anos.
Imóvel, desata-me o nó do impossível,
São ternas amâncias que nos realizam...
E eu a procurá-las sem paz,
Quem dera bem finja ser a paz
Que permita a outros tê-las.

Ai deleite em retintas flores orvalhadas
Quais dolentes versos tecidos
Serão mais precisos
Que sepultos remorsos velados?

Não se percebe breve o tempo que escapa.
Deites e não facilites demais promessas tristes,
Pois que se cumprem já quando esquecimento.
Movem-se poesias pagãs dentro dos nomes das coisas!
Poesias perecem ao vinco de religiões consagradas.

Mas bem vi, há dias maiores que meus dias
E neles também adoeço.
Há dias que só mágoas e cinzas, mas que descanso.
Ai de mim dos dias tantos...
Que entre vasos e várzeas valias
Beijo farto feito olhos. Breve espanto!
Há dias porém em que já não me perco na insanidade do tempo,
E neles prezo pelo que aconteço.

Ainda assim ponteio ao cafre dos sonhos,
Nesse alpendre alquebrado de antanho
Onde fomos perder-te, fulva criatura: memória?
Esquecida e absurda: memória.

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