quarta-feira, 1 de junho de 2022

Previsão do tempo:


Sol com aumento de nuvens pela manhã.

Pancadas de chuva à tarde. Tempestade com nuvens pesadas esta noite.

Passarinhos e cigarras, esses exímios meteorologistas se agitam: cantam, dançam e comem, ao longo do dia, selvagens lanchinhos.

(Parece, algum Deus Pã anda ainda: corre, brinca e colhe frutinhas por entre bosques desencantados)

À moça do tempo disse adeus. Somos os mais tristes dos bichos.

Eu só. Tu solas. Não chora: a criança, deusa ou a Rosa. 

Chora a mulher. Chora o homem. Choro eu. 

"Choram-os-nós"!

Pois entre "nós" tem carinho. Amor contrafluxo em torrente.

Logo o tempo vira - fácil virá fininho. 

Corpo fechado abre caminho. 

Sei que tem algo pra caber em tua gentileza, grandeza; mesa de mulher danada. 

Sem granizo ou geada; sem trombas d'águas geladas que te roubem paz e suspiro. 

"Tempo seu, oh tempo seu", você merece mais que o adeus. 

Mas hoje o tempo fechou! Nenhuma medida com "Eu e Tu" se registrará no barômetro. 

Bem quis aclimatar-me na música dos teus abraços... Doces olhos, lindos cachinhos, moleca manhosa.

Foi por um triz, mas não deu, doeu. Mal fiz.

E se agora temperatura e pressão sobem,

Dentro em breve a vertigem será censurada. 

Após a renúncia, vsi-se a esperança e, só depois, quieta a memória. 

Mas antes mesmo que o ar volte à rarefeito, diremos: "Perfeito! O amor perdeu". E só depois, já ingratos: "Houve amor?"

Ai que foi tanta água por debaixo dessa ponte, nossa!

Rio-mar me conta! 

Umidade do ar lá na ponta, solo e cio que há. Frutas amareladas em Cachoeiras. 

Tudo que flui, lava. Fui às favas! Água e fogo é vapor. Evapora. 

Só você, Eva, porá de volta o amor. Porque você é maramar sem tempo ruim. Doce beijinho. Calor de Orixá.

O tempo do tempo mais liso do agora - tão linda. Já finda inda flora. 

E eu que já vi de um tanto nessa vida... Nem sei...

Foi luxo ter visto tua manhã, tarde e noite nuas. Melosa melodia sussurrada em ouvido frente ao espelho. 

Dourado, peixinho, gulosa - agora é glosa.

Hoje não choverei nenhuma calma, só raios tecendo mágoas.

Quero que me lave um pouco de vinho.

Queria ser leve que nem cirrus,

Mas sou nuvem mais plumbosa.

Logo haverá brisa, você nunca foi medrosa. Te seguem a beleza e o riso, a deusa, letra; a  arte, criança e a Rosa.


Depois de chegada a fronteira do banimento,

O resto é "futa" no chão, negra cigarra, meu passarinho.



terça-feira, 15 de março de 2022

Gênesis

 

Não é só na arte.

Na vida também há momentos de criação.

Tempos que nos pedem

Compromisso e desprendimento.

Sem manuais, réguas e regras,

Nos entregamos à agitação por detrás da querela.

Será que há contas com muitas esperas e comedimentos? Seremos o bastante? 

De qual matéria única da tabela periódica fomos feitos?

Em momentos assim, seria bom se despedir dos velhos imãs de geladeira, álbuns de fotografia, marcadores de texto e números em desuso na agenda. 

Deixar para trás esse peso morto que nos rouba a poesia... 

Valeria dispensar a inocência, rir do que não se entende.

Formiga de asa na chuva relampeada:

Ai revoada! Ai revoada!

Há momentos de sermos coisa bruta: desejo e invenção.

O há de vir que nos assusta.

O golpe seco dos mundos.

A curva da multidão.

Nunca haverá ponto zero da criação,

Mas quando se vem assim, é paixão à galope

Num salto para o absurdo;

Poder primário dos sonhos. Pulo rasgando o cascalho de tudo.

Naquilo que não existia antes do termos pulado, há delícia do impredicado. 

Tempo raro que não repete reparo.

Sou Deus depois do ocaso, e retiro do caos indiferenciado, do vazio, todo um mundo e ocasião.

Tempo enfim de chorar e sorrir. De, quem sabe, fazer chorar e sorrir.

Tempo de rasgar a veste da certeza sobre a mesa do ainda não.


segunda-feira, 7 de março de 2022

"A_cerca" da fofura

 

Ai quem me dera ser a ponta da fofura,

Posto avançado na guerra contra a amargura.

Comi algodões e doces, e balões de cores engoli.

Só sei que muito colo e abraços sufocantes, que muito acolhimento vivi,

Até mesmo quando as verdades eram inconvenientes.

Beijei patinhas de bichinhos e bocas açucaradas.

Que desajeitadamente, fiz e ofereci até corações com dedos gordos e gentis.

E mandei votos e versos ao céu cinzento, até em Camaçari encontrei alento.

Que acreditemos na beleza da vida. E mentalizemos  firmemente toda a gente linda.  Gente com quem me importo. Linda por dentro de dengos, portos e poros em busca de afeição. Que há gente que se importa comigo também. 

(Não é  que eu seja Poliana. Simplesmente amei)

E que superemos a tudo com esperança, temperança e brandura.

Nunca com violência ou por vingança. Nunca por ódio ou desventura.

A humanidade que descobre tantas coisas, ainda não descobriu o impossível.

Que nossa humanidade se revele sempre que alguém se rebele contra o torpor. Se rebele contra a covardia.

E eu sei, de um saber calado, que há pessoas verdadeiramente especiais ao meu lado. 

Que há esperança e belas canções. 

Que há amor, música e luzes pra todos nós.

Um lugar pra gente chamar de nosso. Um amor que acontece. Uma voz que nos veste.

Que a arte florida flerte de volta pra gente. 

Que o amor sobre e seja suficiente. E toda gente não seja mais moída pelas engrenagens da morte doida do esquecimento. A morte em vida por abandono e desalento. 

Que esse triste abatimento da nossa fibra cessará afinal. 

E que há de haver mais sorte a quem sofre nessa vida.

Chega de assistirmos a crueldade humana em movimento. Chega de conivências infames e servis.

Seremos hoje ainda mais que ontem.

Podemos! E podemos mais. Poderemos!

E faremos acontecer no tecer da nossas histórias.

Nunca iremos esmorecer.

Que meu amor estará lá.

Que nem tudo é  solidão.

Que não estamos sós.

sábado, 5 de março de 2022

Parabéns! Eu sei o que você fez.

 

"Eu era neném,
Não tinha talco,
Mamãe passou açúcar em mim..."

Wilson Simonal


Agarre o desaponto pelo avesso, apare as pontas,corte o excesso. Mude a covardia de endereço, ponha a escavadeira em retrocesso até que o mundo,esse réu confesso, lhe devolva seu mel e seu apreço.

Flora Figueiredog



Eu sei o que vc fez! 

Com toda pose. Cara santa em missão; 

Dizendo que vale mais do que pesa. De que só quer ajudar... Enquanto talvez creia que todo o mundo te deve algo.

Se alguém assim se encontra com um outro que sente estar em dívida, que se sente culpado e deseja agradar, as coisas ficam estranhas.

As vezes passeio pelas redes, e é tanta Good vibe, "gente do bem"! Parabéns!  Parabéns "gente intensa e verdadeira" - no Insta e no Face -, e que pra tudo arremata: "gratidão". Que fala cheia de sabedoria: fulaninho precisa sair da zona de conforto. Faz isso sempre que precisa aliviar a consciência enquanto dá as costas para alguém.

Não, ninguém é indispensável, invejável ou mais importante;

Nem todos estão loucos por vc. - ou por mim -, mais do que estão pelos artigos da sex shop, "Jim Morrison", o presidente da Ucrânia, Anita, Fernanda Cândido, a/o nutricionista sex, Shakira, sua enfermeira predileta, Malvino Salvador, ou a delícia do(a) seu/ sua vizinho(a) casado(a), ou o delicado professor de Filosofia Política, sequer o técnico da informática, o mecânico, a trapezista, médico, prefeito, policial, cantor(a) de banda de rock cover que vc conheceu na balada, ou professor de artes marciais delícia - tb casado. Nem sequer Matusalém, Jezebel, Maria Madalena, Herodes ou Manasses. (Esse último por sinal, queimou os próprios filhos em sacrifício aos deuses pagãos, e despedaçou profetas como Isaías pra eliminar a concorrência.)

Por onde anda aquele seu velho capacho ou consolo? Bem, eu não sei. 

Sei que não serei um desses pra mais ninguém.


E, pra gente assim, a maior decepção é ver os "monstros"/ impuros mais felizes e prósperos do que elas.

Não sou santo. Já feri que nem sei.  Nada me salva.

Só queria um dia, que de dentro dos nossos desastres, verdadeiramente descobrissemos: nem tudo que um dia se considerou inferior, e estigmatizou, se pode comprar, controlar ou chutar. 

Restarão lembrancas e pedaços de perdas. Mas bastarão para se redimir as orações dominicais que só gente bonita, de bem, saudável, limpinha e diferenciada sabe fazer?

Eu sei o que vc fez. Não olhou pra trás, pra o que se foi. Eu não sou ninguém, eu sei quem você é. 

Depreciou, perseguiu, fustigou e reduziu.

E depois sorriu providenciando para que tudo que queria encobrir fosse cuspido quando o suprimido mais precisou de apoio, quando estava frágil. Vc tratou feito estorvo.

Provavelmente eu tenha merecido. Não posso negar. Já nem sei mais a lista dos meus arrependimentos.

Neste mundo de maus sentimentos, de tanta má fé, má consciência, não se pode esperar muito de ninguém; 

Se por nada, destrói-se tudo...

Ainda mais se for pra salvar o próprio topete... De menina ou menino impecável.  Pra não se contaminar.

Bancar a pessoa perfeita, preferida. A vítima.

O papel da vitima pede mais vítimas; e que se extingam os limites da moralidade em nome da moralidade.

É  preciso se encontrar algum alvo pra descarregar o desamor, alguém pra culpar pelos desamparos e fracassos. E pra isso acontecer, a velha vítima em busca de vingança tantas vezes se associa aos monstros de ontem em nome de um " objetivo maior".

Assim fizeram as tribos amerindias com seus invasores europeus contra outras tribos inimigas. Assim fazem os ucranianos com os norte americanos.

Mas uma vez vingada, a vítima perde o que lhe sustenta: O direito à santidade.

Nenhum mártir que entrou para os anais da cristandade pôde se vingar dos seus torturadores ainda em vida.

Quem decide por ser vítima, se torna a pessoa que nunca sabe, a que não teve intenção; 

O puro que nunca tem maldade ou malícia; que não faz nada...  Que foi mal interpretado. Que foi testado. Que foi injustiçado. Que se autonegou o prazer. Que se sacrificou para cuidar dos outros, e por isso não viveu.

Se torna refém das histórias que cria ou que criaram sobre ele - verdadeiras ou falsas. Pouco importa.  E precisa continuar mais do que nunca à dissimular possíveis fissuras

Daí, reconta sua fantasia de autoperfeição quantas vezes for preciso.

Eu desprezo os puros!

Antes dos cristãos queimarem hereges e apóstatas em fogueiras, foram trucidados nas arenas romanas por leões. Assim tb, antes dos nazistas serem os monstros, acreditaram que eram as vítimas, os injustiçados da Terra. (Da mesma forma que os rebaixados, os humilhados, os que sofreram bullyng, desrespeitos, violências várias desde a infância, os que foram tratados desde pequeninos como sujos, podem vir a se tornar puros particularmente empenhados, se os acontecimentos o permitirem)

E para os nazistas, eram os liberais, gays, os esquizofrênicos, os negros, autistas, esmoles, ciganos, os judeus e comunistas, todos eles e tantos outros, eram os culpados de tudo que era mau no mundo.

Esses "impuros", simplesmente portariam em sua natureza e vício a invalidez. A danação. O seu ser os destituiria, "cientificamente", do direito de ser. Demitidos da plenitude civil e civilidade, seriam pura negatividade amparada por uma desqualificação de partida: "são assim", e esse des-ser autorizaria aos puros desqualificarem de forma protetiva e autoindulgente quaisquer atos dos impuros, os monstros. E os monstros só devem se fazer notar quando devidamente requisitados. Não podem incomodar, ser inconvenientes. Falar sem serem chamados ou, pior, em voz alta e altiva. Precisam andar pelos cantos, tímidos e acabrunhados quando conveniente, assim curvados e servis, mas alegres, abertos e dispostos quando necessário, sem questionar, para não parecerem ameaçadores ou problemáticos, porque confiantes e com humores próprios. E não devem comparecer demais e jamais protagonizar os álbuns de família dos puros ou histórias públicas oficiais de uma coletividade. Enfim, precisam ser esquecidos, e.seus atos mais nobres, ou qualquer traço de grandeza ocultados ou diminuidos. Com isso serão sempre bem vindos enquanto demonstrarem uma atitude de veneração submissa, de encantamento passivo. Sobretudo publicamente, precisam ser tratados como os inferiores que são. Foi assim que o homem e, principalmente, a mulher negra serviu tantas vezes sexual e afetivamente ao homem e mulher brancos, mas, apenas no interior das casas, às escuras. Em público deveriam ser, basicamente, mão de obra inferior, propriedade obediente e sem qualquer outro interesse. Enfim. Por seu turno, os puros, os virgens, os virtuosos, depois de garantirem suas posições mediante o monopólio do encantamento de cor, gosto e classe, têm na sua agenda diária o paradoxal trabalho, o qual eles consideram tão injusto, de se manterem limpinhos, inacessíveis, inalcançáveis, intocáveis aos poluídos de mãos nojentas, repulsivas. Os impuros só podem olhar calados e nada fazer se não ordenados. E será confiando em que os inferiores se submeterão a qualquer coisa para ficarem o maior tempo possível ao seu lado, que os superiores manterão seu ar de superioridade. E se os subalternizados não o fizerem, serão acusados de ingratos ou traidores. Ao mesmo tempo, os puros garantem a segurança e inviolabilidade de suas fronteiras se utilizando do trabalho sujo de outros impuros para tanto, toda vez que um subalterno qualquer desaprender ou esquecer o seu devido lugar. Os modos à mesa desses monstros, suas roupas e cabelo, cor da pele, odores corporais; seus gostos e gastos, seus gestos, palavreado, violência, mentiras, preferências, seus sentimentos e aparência, sua sexualidade e julgamentos, tudo é  poluente, gruda, impregna. Os impuros, os que não podem ou sabem amar são, portanto, também incapacitados para julgar, sobretudo julgar os puros em seus horrores, os quais agora se veem justificados e garantidos pela certeza de sua própria superioridade diante desse sujo inimigo-vassalo. Enquanto totalidade individual, enquanto pessoa, os impuros não podem ter, genuinamente, qualquer interesse ou possuir virtudes para os puros. No máximo, algum aspecto seu estigmatizadamente mais pronunciado e muito fragmentário, mas funcionalmente rentável para os puros, poderá ser acionado, quando e nas condições escolhidas pelo puro em sua conveniência. Mais ainda, os monstros não só não podem ser livres ou fornecer versões válidas sobre a realidade e acontecimentos, das suas próprias histórias inclusive. No limite, eles tb são matáveis.

Foi começando assim, mas tomando proporções muito maiores e mais radicais, que milhões de judeus acabaram nas câmaras de gás.

 Os "monstros" se tornam disponíveis à agressividade, desprezo e difamação - ele não fez, mas temos a certeza de que poderia ter feito - dos puros, que com o selvagem poderão agir sem quaisquer limites. E, inúmeras vezes eles serão condenados pelo que não fizeram, condenados pela necessidade de autopreservação dos que acreditam ter algo a perder: os puros. Até porque, ninguém tem dúvida de que no fundo os monstros são enganadores natos, lascivos, descontrolados e iníquos. Ressentidos, cobiçam e invejam aos puros sem nunca poderem se tornar um deles de verdade, Mas no máximo fingir o ser, imitando aos puros e a tudo que eles têm e são. Por isso os sujos precisam ser domados, diminuidos, medicalizados, silenciados - eles sempre falam demais -, espionados, judicializados, túmulos profanados, ter seus armários vasculhados e seus bens tomados ou tutelados, sua vida e privacidade banalizadas, precisam ser regrados, demonizados, cerceados, encarcerados, contidos, ridicularizados, desmoralizados, punidos, fustigados, disciplinados, colocados em seu devido lugar. Precisam baixar a bola, ter a espinha quebrada em sua pretensão de equidade ou mesmo humanidade. Precisam internalizar a culpa por serem quem são, até se rebaixarem ao desejo vil do carcereiro; precisam carregar a irremediável certeza de que estão eternamente em dívida e de que suas vidas não lhes pertencem plenamente. Chegado esse ponto, com isso se garante a falsa aparência de liberdade, e o monstro pode começar a caminhar só, ficar finalmente "livre" de parte das coações exteriores que antes precisavam pesar sobre ele - para o seu próprio bem, é claro... rs

Daí, que historicamente já sabemos o que aconteceu. Os nazistas elegeram para si uma missão: livrar o mundo de todo o mal, amém! Nem que para isso sacrificassem os próprios filhos e irmãos na guerra total.

Oh Distinto Dissimulado! Oh Sofredor! Semeador da morte que esteve ao meu lado... Que me quis de tantos jeitos e ao teu lado. Que jurou, me amava e queria meu bem e perto.. Que tanto me buscava sorridente quando conveniente. Que era sempre sim pra mim. Sinto pena de ti! Sinto nojo agora que sei quem é. Covarde. Canalha.

(Logo Vc, que tanto culpa os outros pelo que não tem?!)

Penso que vc não se ama, não vê o quanto é legal, nem acredita no fundo  que pode ser amado simplesmente pelo que é...  Essa necessidade de exibição desse seu orgulho em ser "tão legal", ser capaz de perdoar o outro, será que não está na contraparte da sua incapacidade de se perdoar de verdade... De se admirar de verdade? Vc foi o derrotado que sofreu bullyng. Agora sente o perfume da pureza... Mas todo mundo sabe o quanto ainda duvida.

Mas se uma bomba explodisse sobre sua cabeça e lar, diria que foi inveja ou maldade dos monstros. A energia ruim... Dos outros... Quem sabe até feitiçaria e olho gordo. Se seguraria em qualquer moleta, recordaria qualquer coisa até o fim da vida. Qualquer coisa que te permitisse culpar os outros, neutralizar a certeza que os outros tem sobre sua má fé. Sua sombra. Gente que mal se aguenta as vezes se agarra no ódio pra andar.

Um dia você trairá alguém. E justificará santamente a traição. Talvez traia a mim... De novo e de novo e de novo. 

E eu me perguntarei: Como foi capaz?!

Fará de um tudo pra se safar do que os outros poderiam pensar.

E um novo ciclo recomeça.

Tudo tão perturbador. Tão humanamente horroroso, repugnante e rebaixador.

Vc se esforça, recebe aplausos, é alguém necessário, admirado.

Parabéns ao funcionário do mês! Vc é  tão certinho, tão honesto.

Arrancarão sua pele ao seu comando feliz.

Vc finalmente teve seu valor.

E para manter a ilusão de que controla a tortura que lhe impõem, vc me entregaria ou a qualquer outro aos abutres sem pestanejar. 

Vc talvez se sentisse inferior ou desvalorizado, rebaixado no passado, diante dos outros. Agora finalmente conseguiu. Subiu de patente. Todos te querem bem e por perto pelo bem estar da família. Vc sabe que não pode parar. Mas tb se cansou.

Não pare de provar o quanto é  útil.

"Corra Lola, corra!"

Continue sendo essa pessoa desagradável de que  se orgulha!

Parabéns! Vc agora já não é especial apenas pra eles. Mas pra mim tb. 

Vc é especial pra mim: a única pessoa que odeio.

Nunca senti isso por ninguém. 

(Nem por Bolsonaro e os fascistas)

Não que vc seja a pior pessoa do mundo. Ou pior que Bolsonaro.  Ou sequer a pior que conheci. Longe disso. Por favor, não se ache tanto!

Vc só tem muitos problemas. Pessoa mimada, insegura, vazia e confusa.

Vc é só quem melhor me feriu com seu pior. Que realmente me atingiu sem que eu achasse fosse possível do jeito que foi. Algo só possível quando há consideração, quando ainda existe algo pra ser ferido na gente.

No fundo alguma coisa continua me dizendo que gente que nem você  é gente boa. E pode ser melhor.

Mesmo assim, parabéns. Vc conseguiu. Agora é mais especial. Mais  especial do que nunca pra mim. A única pessoa que odeio nesse mundo. Com toda sinceridade. Eu não odeio mais ninguém. Só vc. Penso em vc todos os dias. Sou monogâmico. Fiel. Exclusivo. Todo seu. Nossos horrores enfim se encontraram.

Porque eu sei o que vc fez. Vc mentiu pra proteger sua santidade.

Mas no fundo, vc só liga pra presentes, dinheiro e poder. Só liga pra sua imagem.

Eu sou perigoso porque sei quem vc é e do que é capaz.

Sei o que a "mocinha" fez, eu estava lá. Vi a Velha Virgem trabalhar; tocar seu rock and roll. E cá pra nós, ela nunca foi inocente.

Tão confiante de que foi a vítima...

Depois de tudo, finalmente entendi do que é  capaz;

Alguém que pra continuar limpo, sujaria qualquer um de merda. sangraria quem fosse preciso.

Fui atirado ao fogo.

Mas depois, quem me atirou quis bancar o ser divino pronto a conceder o "perdão". 

(Claro, com a garantia de que o monstro fique calado, só fale quando, onde e quanto os puros permitirem, que não contamine os puros, e vá morar bem longe num gueto, e aceite as sobras caridosas da civilidade dos puros vez em quando)

Ahhh, mas eu sei o que vc fez. Vc é  especial. 

Eu não sabia o que significava ser afetado pela maldade. Não sabia o que era de fato odiar carnalmente.

Agora sei: eu nunca havia odiado de verdade.

Com toda inutilidade do ódio, e, tampouco desejado a vingança.

Claro que eu não desejo vingança.

Não mereço ou tenho do que me vingar.

Preciso deixar de ser otário. Muito obrigado, aprendi algo! Aprendi que a única traição realmente importante será a que eu cometer comigo mesmo. É impossível tentar agradar alguém que já decidiu pela desconsideração.

E tudo que se fizer, essa santa pessoa dirá que nada pediu. Que se fez porque quis, ou que o "monstro" apenas se finge de cordeiro para na primeira oportunidade mostrar suas garras. Sua verdadeira natureza. Justificará com isso o se favorecer hipocritamente da carne e sangue do monstro quando conveniente.

Muitos esperam apenas  a tentação suficiente para trair.

Vc teve a sua e fez excelente proveito. Está bem justificada e se perdoou do fundo do coração.

(Eu tb te perdoo rs)

Certamente estará presentemente em júbilo piedoso no meu funeral, como em tantos outros.  (Acaso eu me vá antes, claro)

Parabéns! Vc teve a sua cota de medo. Eu, fui descuidado. Vc tomou seus cuidados e saiu limpinho.  Esta feliz agora? Foi assim que imaginou sua vida após a vitória? Quem será o novo culpado pelas suas dores?

Parabéns! Tua covardia garantiu tua segurança. Comemora! Compra um queijo, vinho, chama o vizinho e liga a vitrola! 

Eu sei, e no fundo vc sabe o que fez. 

No final das contas eu paguei a conta. 

Mas não mais serei a vítima de nada. Não posso ser. Eu sou capaz do mal, de fazer sofrer. Eu já feri. Já te feri. Não me engano, mas tb não me orgulho por um segundo. 

No mais, até acho que vc. não teve exatamente culpa do mal que me tenha feito. Eu costumo ser imbecil pelo ao menos duas vezes. Em meus vacilos, e quando confio. Eu me "expus" quando baixei a guarda para um ser puro que nem vc. 

Houve um momento em que te levei a sério como ser humano e te admirei e respeitei verdadeiramente; quis seu bem e felicidade.  De coração. Apenas por vc ser quem é. Vc não entende nada. Nada sabe de mim.

Parabéns! 

Hj Eu apenas odeio vc. Poderia ainda haver afeto? Quem sabe?! Ou poderia agora restar só desprezo? Indiferença?

Mas não. 

Vc foi realmente muito, muito especial. Tão especial! Não te esquecerei. Vc tem minha atenção. Eu sei o que vc fez. Eu odeio vc.



sábado, 19 de fevereiro de 2022

Tenho mais sustos que luas


Acham-me arteiro, mas nada disfarço.

E até vario, mas não é pirraça. Só força do espinho que encrava ao passo.

Tenho mais sustos que luas!


Vario, vário, vario!


Vago largo e rasgo até chegar fevereiro:

Como quem vive largado no mundo,

E já nem sabe onde deixou o cansaço.


Pra que toda tinta e perfumaria,

Quando me trai à boca o amargo veneno?

Valem finos fogos, papos ou remendos?  

Não sei...

Nada será bastante fundo. Mas ainda queremos prazer.

Será por isso o passo arrastado do meu destempero?


Escondo-me por detrás da natureza em vício,

Na esperança de um descanso que me perdoe a inconstância.

(Me torno mais inconstante ainda)


Tenho pouca fé. Acredito no que vier. 

Mas meu coração já não dorme.


A relva bruta brota e nos toca sem precisar.

Não há glória, rancor ou alegrias na vida;

Apenas “há” de um haver que se basta,

Sejam velhas ou jovens cepas de folhas e raízes e troncos. 


Os bichos trabalham com espanto corriqueiro - ou sua ausência.

Doenças e morte, irregularidades da topografia, ramagens e sorte.

Tudo é mote para aceitarmos o vento, reconhecendo vez por outra sua direção e esquecimento.


A precisão de ser alguém é privilégio de bicho humano. Adoecer a alma.

Gostaria de não ostentar nada... 

O silêncio é grande, o sol desaba.


Sobre a planície sangrenta há roseirais e águas lamacentas.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Esperança

 

Uma esperança moribunda e pobre,

Que de tanto pesar já não move,

Se apresa nas fileiras da lida.

Há quem diga, seja rancor já sem vida;

Tem quem creia, seja fome, dor fincada no não mais.


Talvez seja só desespero

Dessas Good vibes tóxicas que não sabem chorar.

(Mas quando o mundo se acabar, quem fará nosso luto, obituário das noites tenebrosas?)

 

A outra esperança é real e mais singela, não espera,

É revolta de revoada, cesura inconformada contra o medo e apatia. 

Gosta de poesia. Conversa com animais.

Luz e sombra em fevereiro. Selvagem destempero que abre o há de vir. 

Quer mais.


Eu fui um doido que abraçou a ambas. 

Cumpri loucuras que mal sabia, esquecido de mim à revelia.

Poderia ter sido cego...


Tudo muda, tudo queda, dor e prazer viram merda.

Justiça, merecimento, transtorno ou destino são  filhos do tempo que mal pressentimos.

Eu?! 

Acreditei num mundo vindouro para além do meu destino:

De ternura,

Com seres feitos de menos ódios e mágoas, menos orgulhos e amarguras.

Sem que fracasso e arrependimento nos definam.


Mas também doei calamidade. Sou insônia.

Em minha fragilidade, disparei rebeldia contra o insulto totalitário dos eternos.


(Como não tomar partido nessa guerra pela vida que é a vida? )


Erramos às vezes...

Eu tive medo.

Mas não quis me tornar arrependimento.

Quis o reverso.


Ah sonho miúdo do meu apreço, bem acreditei nos recomeços dos beijos e versos.

Não! Eu não busquei o inimigo na noite escura, na tarde vazia ou minha clausura.

(Bastava-me a felicidade bem temperada)

Mas ele veio mesmo assim... Com mentiras e garras, faca amolada. Face dura que não esqueci.


Da primeira vez não pude nada, senão fugir.

Só que não, não mais. Nunca mais...

Buda sabia: não há felicidade para quem vive ao seu encalço.

Mas se a felicidade continuar frágil ou miúda, 

Urgente será agir, mesmo que pelo silêncio crasso.


Cansei de ser o escravo;  

Forasteiro preso na Casa Grande, 

Paralisado pela ânsia auto-congratulatoria da denúncia.

Ah, desapreço da calúnia!

Cansei de ser a mentira parasitária, provisória-pra-todo-o-sempre;

De ser o acidente que escapou do motim, vergonhoso de salvamento.


Desprezo agora a espera impotente!

E não mais serei o açoitado:

Fugitivo que pelos porcos traído,

Morreu sonhando ser libertado por Isabel no botequim.


O meu sonho é Zumbi!

Não se pode caber no sonho alheio.

Caminhar junto é dar as mãos... Não é seguir...


Quando jovem, um vento passou

E a flor do meu sonho foi despetalada.

Era como se eu quisesse nunca ter sonhado,

Por não saber esperar a esperança

Dentro dum sonho que nunca esqueci.


Conhecer é caminhar sem volta pela ruína,

Mas amar sozinho é não ter para onde ir.

Desposada a imensidão,

Descobri que havia extraordinário

Nas pedras e sementes, nas crianças e nos colibris.


quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Manhã de Natal


"Por que nós nos alegramos em um nascimento e choramos em um funeral? Porque não somos a pessoa envolvida."

                     Mark Twain 



Manhã de Natal, antes do café. O dia clama pelo Especial de Fim de Ano: Solstício de Nazaré.

Já sem pressas, passas, figos ou rijos rituais... Agora sim, nos entreguemos às saturnais.

Alguém na casa acorda mais cedo, abre armários e geladeira, prepara rabanadas e anda pela sala à remexer presentes ao pé duma árvore de plástico vinda de país distante. Entre enfeites de esferas, guirlandas, sinos e bengalas bicolores, harpas, flocos de neve, laços de fita, sapatinhos de pano e papel, estrelas e encantados, candelabros e, alhures, animais, nos perdemos. Os especialistas dizem que os tons verdes, carmesins, chocolates, rubros, brancos, vinhos, dourados, prateados e escarlate, isso tudo recheado com muito glitter será a tendência de cenário desse início de verão - assim como de todos os passados abaixo do equador. Pessoalmente sempre adoro, hipnotizado, as luzes que brincaram de piscar noite inteira.

Mas voltemos um pouco no tempo...

Mal começara dezembro, e resgatamos caixas empoeiradas em fundos de baús dos festejos passados e, o que faltar, compramos de novo na Av. Sete, Barroquinha e Baixa dos Sapateiros - aqui "ninguém  é menino". Não há festa mais Made in China que o Natal.

Mas tomado por velhos espíritos natalinos, é como se eu ainda tivesse saudades de coisas que não vivi.  Tambores de pele e madeira, fogos e céus estrelados; saudades de silêncios e velhas charneiras. Serão atavismos fetichistas que em mim guardo?

Todavia, ao invés de abater um grande peixe, res ou fera nos liames verdejantes da floresta arteira, como fizeram por séculos  nossos ancestrais, nas vésperas da ceia nos arriscamos, todo ano, heroicamente entre perigos de empórios e Shoppings Centers, essas modernas selvas para caçar presentes.

Lutamos ferozmente: primeiro, com os dilemas sobre o que dar à quem; depois, com as atrozes contas: se faremos à débito, pix, papel, escambo ou cartão de crédito - a difícil escolha das armas; em seguida temos de brigar, brandindo punhos e imprecações por uma vaga no estacionamento abarrotado - quase diria, uma vaga no inferno; e, após tudo isso, lembrem, precisamos ainda sobreviver à caça mais astuciosa: lutar e vencer vendedores, dores e falsas promessas, lançando feitiços e percorrendo quilometros por horas em busca da temida e cobiçada lista! 

Isso tudo, veja bem, em meio à multidão furiosa e sanguinolenta querendo mais. 

(Mas altaneira; quase fofa, e excitada de encantamentos consumeristas) 

Pra finalizar, temos de montar cardápio e comprar ingredientes. E se os deuses, deusas e o clima do planeta ajudarem, quem sabe na Ceia entregaremos um prato minimamente decente.

Vamos a ela?!


Não sou fã da hora da ceia... Esse texto é mais sobre os doces atentados à tristeza que ocorrem depois dela...

Mas vamos lá...

Dia 24, clima de festa, muitos afetos e alegria.  Procedimentos tecno-mágicos meticulosos são aplicados para que os pratos fiquem à contento; faz-se multirão de limpeza, ocorrem as compras de última hora, garante-se a segurança para que meliantes pets e humanos, gulosinhos, ansiosos e indisciplinados não desfalquem antecipadamente ingredientes. Enfim, muita agitação e função na cozinha e casa como um todo. Todos compenetrados em seus papéis na missão - inclusive meliantes humanos e não humanos. Muita apreensão e euforia se misturando, mas não vou mentir, bem me lembro: à noite, depois de tudo, caí em pecado.

Foi aí que abracei o capeta! No momento mesmo em que disse pra mim: "Sabe de uma, Eu mereço!"

Tomei uma gelada com queijo cuia, porque ninguém é de ferro né? ! Hummmm... 

Daí o bicho pegou! A gula e o vinho... Fofocas, a vaidade, sincericidios etílicos, eróticos - luxúria - e poéticos, além de impaciência e preguiça... Tb inveja dos presentes dos outros, medo de ter gastado em excesso e receber presente "péba" - avareza - são o maior normal nessa hora de amor profundo. Inesquecível que nem unha encravada com sapato apertado... 

Na moral, foi ladeira abaixo...

O movimento é  sensual, ostentação é a parada... Devagarzinho até embaixo...


"Na real"?! Acho que o soteropolitano não curte lá muito o Natal.

(Dizem por aqui tudo vira Carnaval, e tem uma hora em que o povo alopra geral, decide levar até de manhã - inclusive, atrapalhando a invasão domiciliar noturna de Papai Noel -, e começa a confundir o velho Santa Claus com Bel do Chiclete, Ivete ou até Carlinhos Brown)

Se ligue "miserevê". Pegue a visão. Tá "vacilano"?

Meia noite, Missa do Galo, todos em pecado, há-pagão geral?!

Essa coisa de energia de que fala a "galera-coelba" do esoterismo, não é mentira não. Rola mesmo véi...

(Mas somos só limitados humanos e, tanto que, também tanto amamos, "na vera" mesmo e "de-com-força")


Belém blem blem pra gente!


E anote ai; Quero meu momento íntimo com o Cristo-Noel velho-criança gorduchinho que nasceu.

Na manhã do dia 25, quase ano bom, subirei telhado para admirar a Cidade, mesmo que ressaqueado e peidando à chester com frutas cristalizadas;


Mas se ligue "minha pedra", se vc achou que até aqui foi chato, se prepare, porque agora vem aquela parte existencial chata pra caralho do texto em que eu choro "e as porra". 

Sem falar do embaraço que pode se tornar pra esse povo "esnobe que nem eu" - acadêmicos de esquerda das humanidades, e de pouca fé -, confessar esse crime hediondo, esse amor quase cafona e sentimental pelo Natal...

Mas se chegou até aqui, te desejo força guerreira(o) que me lê! O texto é exagerado mesmo; verossímil, mas um tanto ficcional também, muito de classes médias nele, às vezes kitsch, mosaico beeeeemmm colorido de coisas aparentemente desconexas, que nem Natal mesmo.


Muito bem...

De longe a cidade parece gospel papel.

Eu até atrevi do dia a imagem,

Presépio astuto de beleza e crueldade...

Quisera eu fosse um passarinho;

Sou sonho agitado.

Após fitados e fatiados que nem panetone todos lugares ermos e ninhos, sofro só de imaginar tudo que a vista não alcança.

A data remete ao fluxo de morte, vida e renascimento, de reconhecimento de si e recíproco diante desse movimento incessante; desse acertar as contas com a gente, e nos dar conta francamente da difícil engenharia entre o que queremos, podemos e precisamos. Mas também do que demandam da gente.

(Será por isso que os Três Reis Magos encontraram em meio à noite no deserto o Messias Pequenininho? Perseguindo o impossível?)


Em meu divã não há colirios, cirios, nem coleiras, apenas flores, espinhos, algumas lanças e pederneira. Mas tb há dança e carinho no cadinho.

Meu divã é estômago, estrago que arde e quer vinho. É a cidade com todos nela e suas maravilhosas navalhas dos anjos e diabinhos, com Jesus Menino protegido a nos proteger dos perigos da manjedoura imóvel. 


Ah quantos presentinhos de Reis ainda há de nos dar a memória... 

Dar e receber presentes é o que tece a paz e amor universais entre as gentes.


Há sol, espreguiço ante o espelho em Mi bemol.

É quase janeiro. Sinto-me tolo feito Noel que não soube ler a escritura dos tempos nos versos alheios. 

Não pude dar o que queriam. Alguns sapatinhos ficaram frios e vazios... Talvez alguns presentes tenham sido trocados, extraviados ou roubados, quem sabe... 

Meu papel aqui pouco tem a ver com a verdade,

Mas com os muitos possíveis muito além da minha inútil medida.

Isso talvez tb seja a tentativa de converter nossa miséria em arte.

Salvar pelo sonho minha pífia cristandade?


Só sei que o café que ontem à tarde ardia, agora esfria. 

Por onde irá aquela que outrora foi tão boa companhia?

Alguns estão nesse momento celebrando alegres com aqueles que momentos atrás repudiavam.

(Pessoas raramente "decepcionam")


Acendo luzes e velas e, ao meu modo, também celebro.

Bela ceia bom barqueiro, cantarei todo aquele que tb quiser celebrar, e me celebrar, independente das dinastias desse longo mar.

Há muito amor num mundo que tb é mentira e dor.


Ainda te mando mensagens em garrafas ao mar, e recebo as tuas, com desejos de danças e dias risonhos.

(Para nós, nada menos que o melhor)

Ano que vem não virá de novo o fevereiro e, como não farei anos, não ficarei mais velho dessa vez.

Farei apenas uma canção de amor pra esperar a volta da alegria. Isso não é a periodicidade necessária do Natal?! Essa festa tão cristã quanto pagã?!

(Um dia farei amor com ela)


Mas o ano que finda não aconteceu nem acontecerá ainda.

Tive dias duros e escolhas complicadas. Não me iludo. Nesses dois últimos anos talvez tenha perdido mais amigos, parentes e até mesmo sanidade e conexões afetivas que nos 10 anteriores. Muitos perderam muitas coisas, e nem sempre é fácil encontrar razões pra continuar.

Morte, finitude, perdas e renúncias compõem a própria possibilidade da vida.

(Mas voltemos à leveza, por favor)


Ahhhh, resgatei o Natal já mais velho e cascudo numa casa em que "o negócio é sério"! Rabanada e biscoitos, nozes e chocolate; panetone salgado tostando na chapa de manhã com queijo cuia e apresuntado. Tudo partilhado, tudo me liberando pálpebras, papilas e pupilas. Se tem criança, melhor ainda! O riso solto e resenhas, presentes e pilherias pra trocar. Quem mais gostou do quê, vamos confessar... As vezes há promessas e acidez estomacal na balbúrdia da mesa quente da cozinha. Alguém bebeu demais, já deu dez de relógio, mas não descola da cama - houve dia em que fui esse tb... Quem têm Magnésia Bisurada, Novalgina ou Sonrrisal?  E a depender da família e das besteiras que fizemos, vale o combo: Magnésia+Engove+Rivotril né? 

Aquelas canções de melodias agridoces, meio alegres, meio tristes, falam de neve e bonecos de neve, pinheiros, frutas, comidas, lugares, objetos e seres que em sua maioria nunca vi, mas que a mim parecem íntimos desde sempre. Esse doce folclore que veio do norte. E há quem goste mais, quanto mais as fantasias saem jazzadas da fornada musical.... 

(Tudo bem, o vermelho vem da Coca Cola e a Finlândia só embarcou nessa pra atrair turistas)

Quase vou com tudo nessa lúdica viagem transcultural.

Mas não posso me enganar, esquecer. Nesse ano em particular há quem não tenha pão, paz e, muito menos queijos, presentes e vinhos para partilhar.

Mesmo assim, se é manhã de Natal, presentes espalhados e sobras da ceia perfumam e colorem especialmente a casa de quem teve o privilégio da mesa inteira.

(Seria fácil me culpar. Prefiro lutar  pra que todos possam ter)

A família que temos, aquela a qual confiamos nossas mãos, é a medida mais imediata da celebração. Mas há tantos outros que tb importam... E tantos que já se foram...


Nessa manhã há sol longo e lento, e galos conversando, convocando em alto som o novo; tudo faz tudo mais especial nessa euforia em movimento...

Para os galos seria só mais um dia – exceto porque para eles, galináceos, nesses ciclos festivos aumentam as chances de tombarem nas assadeiras de todo o mundo.

Galináceos do mundo, não uni-vos!


Porém, se Papai Noel - São Nicolau - não existe, por certo é a ficção mais influente e lucrativa do planeta. 

Bom Velhinho vermelho e barbudo youtuber, nunca me esqueça. 

Ai que mesmo depois de adultos continuamos a esperar seus presentinhos, quem sabe pedidos em "amigos secretos" - esse Papai Noel para crianças crescidas que nem a gente.


As más línguas dizem, rolaria até certa treta com o tal Jesus do morro vizinho, o homenageado mais velho, filho do homem, cordeiro do mundo. Mas pra quê tudo isso!? Deixa os caras trabalharem juntos: pagão, moderno, antigo e cristão. Tudo em prol e em paz, compromisso pela comunidade... “É nóis, tamo junto! Comunidade sempre! Os dois representam!” 


Enfim, na infância tive de acreditar nele Noel até mesmo pra ganhar presentes, ora bolas... complô planetário poderoso como esse nunca se viu... 

(E como foi bom ter sido assim enganado)

Hj quando me enganam, logo descubro que tive cartão ou celular clonado!


Adulto, compreendi, Papai Noel agora sou eu. Acho que já li algo assim. Desculpa o plágio. Esse encantado já mais humanizado talvez nos permita uma identificação que seria mais difícil de realizar com a espartana figura do Cristo em fuga, nascendo numa gruta em meio ao rude deserto. No Natal, talvez queiramos, atualmente, só podermos fugir dos desertos que por vezes têm sido nossas próprias vidas. 

O Noel que conhecemos foi inspirado num bispo do século IV da Turquia que distribuía sacos de dinheiro aos necessitados. Um provedor, protetor caridoso, cuidador cristão-burguês quase asceta e celibatário, mas apenas quase... Porque na composição de sua função de colo e relaxamento diante das durezas do trabalho e cotidiano, inventaram uma Mamãe Noel que, aliás, é frequentemente sensualizada nas lojas no fim do ano. Além do quê, o Papai parece eternamente sorridente e moderadamente embriagado - diria, de vinho... 

É como se tudo correspondesse à composição contemporânea de uma vocação pública adequada ao instante festivo extraordinário, necessariamente efêmero e esperançoso de um mundo melhor que não se realiza; senão que, periodicamente, em ato-memória se performatiza-ritualiza-teatraliza. Composição regada a um desregramento moderado similar ao que geralmente nos oferece o consumo recreativo. 

(Mas o sociólogo deve parar por aqui)

Enfim, digo que o Noel sou eu porque, entre outras coisas, bem sei que ando meio de saco cheio, tô mais gorduchinho, me forço às vezes o sorriso por quem amo, me sacrifico e trabalho por desejos que não são meus. Conto ficções pra acalmar e peço ajuda aos "anões" que me salvam todo dia. Preciso trabalhar, senão não haverá presentes. Mas derreto ao sol escaldante de fim de ano nos trópicos sem renas ou trenós pra me carregar, me espremendo pra entrar por passagens que nem sempre me cabem, muitas vezes sem ser desejado, e de onde às vezes saio sujo e empoeirado. Sem falar das vezes que não gostam dos meus presentes e mensagens...

Meu pedido: ser melhor Noel esse ano, do que no que passou - só pra que me façam ainda mais e mais gorduchos pedidos.


(Deuses estiveram aqui e me falaram contos de fadas, emprenharam meus ouvidos de risadas e gostei. Eu vou te contar tb)

Dizem que lutar com palavras é luta vã.

Todavia, se sou incapaz de ferir ou matar,

Tb já não sirvo pra rezar.

Mas se algum deus é Amor,

Seu profeta é poeta.

Sua "bíblia", poesia:

Que queime no inferno toda hipocrisia. 

Deuses falam comigo preferencialmente nas manhãs, todos os dias.

E eu que não sou ninguém, vivo à revelia.