terça-feira, 30 de novembro de 2021

Adeus Paulão (homenagem póstuma à Paulo Roberto de Sales Ribeiro, àquele que por tantos anos foi o meu sogro)


Minha morte nasceu quando eu nasci.
Despertou, balbuciou, cresceu comigo...
E dançamos de roda ao luar amigo
Na pequenina rua em que vivi
.

                                      Mario Quintana

 Non videmus manicae quod in tergo est

O que fica da vida, da passagem de uma pessoa pela nossa? Existiria uma coisa feito o destino? Haverá a hora certa da partida? Como e quanto se lembrarão da gente? 

Hoje tudo ficou confuso, o mundo desabou. Como se não tivesse havido um fim, mesmo depois de o fim ter sido decretado, fosse pela aridez da natureza, pelas faces quebradas, rituais de despedida ou relatórios médico-periciais. Tudo dizendo "acabou", enquanto, simultaneamente, éramos tragados pela presença do que se fez ausente. 

Revivemos várias vezes os eventos, procurando por erros e respostas... queremos um sentido e, quem sabe, algo que ajude a expiar qualquer culpa ou remorso. E há Tb quem deseje esquecer. Mas será que "esquecer" não é só um nome diferente para o que mudamos do que ficou?

Gostaríamos de voltar no tempo... 

Mas é impossivel e, pra seguir, vamos redecorando escombros e pintamos a sala de "estar-bem",  enquanto o passado permanece tão misterioso quanto o futuro, como se os momentos todos se misturassem.


Paulão, como era chamado pelos chegados, era o tipo boêmio boa praça, não gostava de polêmicas esticadas, nem apreciava grandes refinamentos intelectuais. Tímido, falava pouco e em geral tinha um sentido pragmático, mesmo que muitas vezes tradicionalista, a respeito de suas ações e existência, mas falava e lidava com todo mundo. Era um sujeito simples tb nos gostos, e gostava de seguir regularmente suas rotinas. 

Era à moda antiga: devocionalmente religioso de um catolicismo sincrético e piedoso, herdeiro de uma Salvador de redes familiares e vicinais extensas, e que já não existe mais. Paulão acreditava, um tanto aristotelicamente, que o ser das coisas as destinava aos seus lugares predeterminados na sinfonia do mundo, assim como acreditava que qualquer palavra empenhada em praça pública valia mais que documentos assinados e registrados em cartório. No mais, para ele a beleza habitava o simples. Era o tipo que ainda acreditava ingenuamente, de uma ingenuidade bonita de se ver, e cada vez mais rara. Do que pude conhecer, isso resume em boa medida a sua "filosofia". 

Hj Paulo nos deixou. 

E hj, peço desculpas a ele por trair seu legado.  Hj. não acredito, não há paz, mas desilusão. Amanhã acreditarei, mas hj não. Quero ser triste e praguejar contra o sistema, e toda essa des-humanidade. Hj. sinto raiva. 

Paulo não vinha lá muito bem fazia tempo. Não era mais o mesmo de anos atrás. Parecia cada vez mais frágil e cansado, e um tanto triste às vezes. Acho que a pandemia o quebrou, como a muitos. Mas "tenho pra mim", ele gostava de viver.

 Estamos tristes.

Não que fôssemos os grandes amigos pra sempre, nós dois, isso não aconteceu. Éramos, de certa forma, incompatíveis até nos times, roupas e cervejas. Talvez o afeto mais intenso, mais profundo entre duas pessoas necessite de uma estação propícia de cultivo. Acho que não foi nosso caso. Mas nossas diferenças nunca impediram o convívio respeitoso e o desejo pelo bem um do outro, pelo bem recíproco, havendo por vezes pequenas rusgas por certo, mas tb auxílios gratuitos de parte a parte, e até momentos de verdadeira camaradagem, sobretudo em festas de família. 

Convívios longos costumam nos alertar demais para defeitos dos outros, e nos anestesiar para os nossos próprios. Ele, humano filho de Deus, tinha os dele; eu, os meus... E não posso esquecer, o recém chegado era eu; ele, o pai da moça! Ele,  quem me recebeu na família à qual devo tantas lembranças felizes.

E, em momentos como os de agora, sempre fica um vazio, deixa tristeza, e a dor maior que atingirá a outros nos machuca por tabela. À cada um caberá viver seu luto como for possível, e isso às vezes é solitário. Luto é tb cuidar dos vivos. E quem puder, por favor, abrace, se abracem. 

Perdemos o manual público do que fazer nessas horas quando decidimos, civilizatoriamente, pela liberdade. Liberdade para até mesmo não acreditarmos sequer em Deus, deuses, rituais, ou qualquer algo de eterno. E em tempos de positividade tóxica, celebração do corpo sarado, fotos no Insta e juventude eterna, adoecer e morrer e, pior ainda, falar da morte e do morto - essas palavras tabus -, tudo isso bem pode ser visto como sintoma do derrotado; maceração mórbida, inútil e dispendiosa. 

A morte é injusta, terrivelmente dolorosa. Às vezes queremos não pensar, dar um basta em nossa própria dor da perda - e, claro, chegará a hora em que isso precisará acontecer.  Mas penso que silencia-la apressadamente mediante decreto, seja por medo, repulsa ou qualquer razão, pode ser perigoso.


Um dia, isso têm anos, namorávamos torridamente, eu e sua filha, deitados no verão da varanda do saudoso Village de Lauro de Freitas, o mais antigo. Paulo nos flagrou acidentalmente, e só eu o vi. Gelei e pensei que fosse morrer naquele dia: de bala, susto ou envenenamento... Era início de namoro... Paulo, assim como eu, fingiu que nada viu. Nada nos disse e seguiu vida. Continuou me tratando como sempre... E eu, devolvi alegre e aliviadamente o presente. Talvez ele fosse menos rígido do que dava a entender em sua timidez sobre essas coisas, não sei dizer muito bem. 

Enfim... Paulo estava mais pra pacificador, era da turma do "deixa disso". E, muito menos, alguém o imaginaria levantando a mão pra ferir qualquer pessoa.

Ele era o tipo de figura do bairro que não brigava com quase ninguém, prestativo e negociador, urbanoide corretor de imóveis, caminhante da orla que todo mundo conhecia e cumprimentava, uma espécie de "monumento", discreto sem dúvida, ou presença local do aprazível Costa Azul. Acho que ele adorava esse bairro e, pelo que sei, vinha exercendo sua corretagem quase que exclusivamente dentro dele nos últimos anos. 

Muito bem, enquanto que após o lamentável afastamento forçado, tempestuoso e imprevisto ocorrido em maio de 2021, eu tinha “de certeza” que logo nos veríamos, a vida tramava pelas nossas costas suas próprias prioridades, e antecipava nossa derradeira despedida. Porque, estando em outra cidade, não pude sequer me despedir ou acompanhar o que seriam seus últimos dias. Só me restou escrever, e me consolar com esse texto póstumo como fosse nosso funeral e vigília, minha e dele. Nosso adeus possível. 

Em toda partida haverá um pouco da gente que se vai. Penso, seja uma troca. Quem nos deixa exige, como condição de doação mnemonica amorosa, levar um pouco de nós: mais nos tira, quanto mais nos dá... E a cura da perda não tem receituário. Trata-se muito mais de cafunés, paciência, conchinha e afagos, e tb de nos contarmos histórias sobre quem se foi, até irmos desapegado enquanto reelaboramos a perda aos poucos. Isso a que se chama luto. Porque narrar é dar colo de palavras... É dengo do tempo do verbo.

De resto, terei daqui pra frente que "vê-lo" pela porta da memória do quarto da suíte do Icaraí. Quarto esse em que costumava ficar em frente à TV, sobretudo nesse tempo de pandemia, e onde adorava assistir seu glorioso baêa. Mas prefiro ainda sua imagem ao volante quando íamos para o Village, e se faziam aquelas compras gorduchas. Paulo, nessas ocasiões, nunca aceitou qualquer contribuição minha. 

Era perigo de segurança e saúde públicas na cozinha; mas era massa ver seu gosto por pizza, comidas festivas como queijo cuia - o chamávamos Dom Ratão, a propósito dessas horas rs - e música, inclusive Roupa Nova e The Beatles...  Sim, ele gostava de cantarolar! E tinha especial afeto pelas crianças - chorava emocionado, copiosamente, aquele homem quieto e convencional, assistindo The voice kids. Além, é claro, dos seus bordões engraçados pra caramba. Ou como no dia em que fomos a um templo Mahicari, e que eu, pesquisador da religião, não conhecia; e mesmo quando ele sorria estridente em conversas com seus amigos mais chegados. Tb adorava perfumes, Globo News e, com o passar do tempo e acontecimentos, se tornou, para nosso orgulho, e desespero de muitos dos seus amigos, um anti-bolsonarista ferrenho e convicto. Da mesma forma, quando Paulão gostava de uma coisa, repetia até "furar o disco"... 

Agora, os objetos por ele utilizados solicitam em vão sua presença - seu toque e olhar, sua pressão muscular, calor corpóreo e ordenação motora únicas, essa impressão digital do corpo que faz ranhuras e morsas indeléveis nas coisas; seu mana, energia vital singular, sua aura. E todas elas, coisas, tb desaparecerão ainda cheias da esperança de que um dia voltariam a corresponder a demandas humanas, enquanto coisas úteis, necessárias e desejadas por ele, para ele.

Não tenho palavras, imagens ou procuras suficientes nessas horas. Acho que nunca saberei dizer adeus, talvez por ser homem de pouca fé. Só acredito no que ainda podemos fazer, e o adeus é  uma desistência compulsória daquilo que ainda não foi. (Num duplo sentido: do que ainda não foi completamente embora, e do que ainda não aconteceu, do que foi apenas potencial futuro). Mas eu quase sempre quero apostar que podemos fazer melhor numa próxima vez nesse mundo. Temos tudo ainda e tanto por fazer. E há remorsos. 

Escrevi noutra ocasião, "não nos culpemos por sermos feitos pra sentir... Ser de carne é também falir..." E antes que a corda arrebente, não esqueçamos do espaço em que se guardou leveza. Amanhã a tristeza há de ir.


Já nossa derradeira despedida, minha e de quem me lê, posterguemos, como se diz, todos os dias em que continuamos, até vivê-la num brevíssimo. 

Espero, sinceramente Paulão, que teu caminho de agora seja mais sereno e silencioso, porque aqui entre nós tá uma tranqueira dos diabos, esse tempo de tantas despedidas injustas, tantas dores. 

Toda memória pode ser também um tanto de esperança e imaginação para que se façam mais amenos os dias vindouros. E, se Paulão não estará conosco nesse Natal, estará por certo em nossas memórias e, num mundo melhor com certeza, para os que acreditam, como ele tanto acreditava.


Bem diria Paulo: a vida às vezes é só um "chute na canela"...

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Eu queria ser feito de música

 

"Onde há música não pode haver coisa má."

                                 Miguel de Cervantes.


A música é arte intrigante. Quando nos fixamos em um ponto, ele já não está... 

É arte do tempo. Arte heraclitiana do movimento das corredeiras e dos rios sempre "outros do mesmo", presente evanescente, revivescente incansável. Voz do impermanente. Daí vem toda sua magia comunicante com as coisas do mundo pelo mover cadenciado dos ritmos que, pelos guias da natureza, nos solicitam... Essas belas cartografias de gratuidades: da natureza das coisas; das coisas da natureza. Porque há, desde o ritmo lento do sol e da lua, dos anos e estações, até o ritmo e o som do bater do coração, das topografias, e na menstruação. Também nas asas de um inseto, beija-flor ou morcego, bem como nas divisões das folhas germinando, ou nas moléculas e fenômenos de multiplicação em escala celular. Ha ritmo nas pandemias, e há ritmo nas ondas, marés e seus marulhos, nas gotas de orvalho escorregando do telhado, o ritmo e melodia dos passos de um cão, da respiração, da marcha de um homem, formiga, elefante ou gato; do canto de um pássaro, baleia ou cigarra, do entortar pendulado de uma árvore pelo vento. Eterno retorno movente,  há ritmo até no mastigar do alimento e cariar dos dentes; música desse leva e traz das tempestades, das mortes e nascimentos. 

Mas, principalmente, há som e fúria em tantos engenhos humanos capazes de integrar as ações de um eu e um tu, realizando-se por um estranho milagre, um nós. Há música na voz e na preguiça. E, se algumas soam mais sonoras, há sempre tramas e canduras. Há música no amor entre duas pessoas que se querem, mas também entre as que se repelem. Porque há música até mesmo na guerra e terror, nos funerais e panelas, nas liturgias e litogravuras, ou na maldade opressora; no trabalho, no vai e vem do sexo de todos animais; há ritmo e música nas refeições, nos ciclos dos impérios e civilizações, nas rezas e cantos dominicais, nas giras, candomblés e carnavais. Há música nos sonhos, essa música em imagens, quadros borrados e até medonhos, de invaginações; mas também na eletricidade, panelas, ruelas, mandalas e nas velas; nos gases, beijos, trovões, sinais de trânsito, modas, nos mercados, capitais, jornais  e nos ciclos medicinais.

Não por acaso, a própria música foi a forma artística mais esquecida sob escombros e ruínas dos povos... Quem sabe o que foi a música persa, asteca, hindu, tapuia, suméria, núbia, ou iorubá de 600 ou 5.000 anos atrás? Isso atordoa e fascina meu juízo de fantasias melodiosas e estranhas aos meus ouvidos... 

E há uma música interior das profundezas do espírito, que sem dúvida também precisa ser tocada. Mas gosto mesmo é dessa galhardia gargalhada gostosa do corpo solto que, quando forma de arte, é dobradiça de mundo. Música é a única coisa quase tão intrigante quanto o silêncio; arte que comunica sem palavras ou descrições primorosas o milagre da vida em acasalamento. Os gregos acreditavam que a música era divina, e daí os pitagóricos extraíram dela toda a matemática. E quem ouve uma música, talvez tenha a solidão curada ao se encontrar no espaço comum de feras, humanos e anjos. Êita que é bom demais esse dengo nas orelhas, barulhinho bem planejado... 

Música é terapia contra a morte precipitada, e a dança, esse “mal” súbito que acomete o corpo emprenhado de afecções dormentes. No princípio não era o verbo, mas a música. A música e a dança, sua fiel escudeira... Deus primeiro escutou ritmo, acordes e melodia de criação... Depois, Deus dançou... E depois, só bem depois, muitos bilhões ou trilhões de anos luz depois, distante lá longe no beleléu após a curva do cansaço extasiado, como quem acabou de fazer amor e, já contemplando o céu povoado de pirilampos que o prostrou, o velho se ocupou em falar com voz grave, rouca e profunda... E espalhou sermões, liturgias e imprecações pelo mundo... Talvez estivesse apenas só e com saudades dos velhos tempos em seu santo ativismo publicitário...

Eu ouço música como um bicho carente que aprende a voar. Como se me tornasse luz de repente, e toda dor e dúvida fossem embora. 

Escutei um dia certa mensagem, vinha voando pelo ar: "não tenha medo, saia daí de dentro e venha brincar." Às vezes fica mais fácil se aumento o volume até silenciar a tristeza, até reverberar em corpo; outras, gosto bem baixinho que nem sibila sussurrando em meu ouvido tal qual vinho velho, longe do alvoroço.

Eu queria ser feito de música! Acho que seríamos imortais se tomássemos parte nessa sinfonia de sons tropicais. Quero que cante feliz, de olhos fechados, a música que cantávamos juntos quando eu me for; a mesma música que já não toca mais, mas que se esconde por detrás lá onde a vida perdura.

domingo, 21 de novembro de 2021

Semelhanças e indiferenças


Já não sou rancor nem arrependimentos.

Culpa, muito menos.

Bem sei que há sóis e luas;

Mas ainda sofro de peçonhas emocionais.

(Não dizem que é pra isso que servem os ungüentos?)


Chorei, Ah chorei!

Por silêncios e desamor. Houveram vícios.

Traição e desconsideração foram o "de menos".

Baleado em batalha, jogaram-me no ostracismo embrulhado em mortalha.

"Peguei" até Coração Partido...  Esse tolo a ser redistribuído a quem o quiser e tiver merecido.


Mas estou vivo! 

E o que morreu? A ilusão morreu.

Coisa que não vale uma "nota de três reais".


Não há penar para poesias melosas, 

O tempo é curto para sofrências.

Se nada espero? 

Ninguém me entrava.

(Quase não quero... De quem só precisa de mim)


Quero o "amor inútil" que se perdeu;

O desobrigado que não vira as costas.

Que se entrega quando não lucrativo, que não se dispensa porque doeu.


Um dia plantei rosas e jasmins. 

Há  quem ponha nas janelas, espinhos, espadas e serafins,

Quem faça do quarto um oratório, cenário-camarin.


Ai que a dor do afeto perdido não compensa se exagerada.

O preço do estrago? Tudo ficou mais caro e vazias as prateleiras sentimentais.

Por certo que as emoções saíram manchadas,

E, sabe de mais: Fiz o meu melhor!

Foda-se! 

(Ainda compensa o amor)


Mas se vc me magoou fundo, talvez eu te esqueça num canto de mundo...

Com a mesma indiferença das coisas que simplesmente são.

Vc fez seu jogo, eu fiz o meu.


A rosa brota, o inseto voa, a chuva cai porque tem de cair, 

Vem outro verme ou rebento, do jeito que cai, sabe sair.

Nada interessa em nossas querências.

Só há dança!

É inútil a crença e, diante da dança, tantos tão sem graça não sabem dançar nem sorrir...


Mais uma noite,

 Incerta!

O ritmo raro vai e vem à cavalo,

Não dá trapaça.

Impedir sequer do coice o estalo.

Vento, correria, correnteza e morte

Acontecem.

Não é questão de inveja, maldade, esforço ou sorte.

Ainda assim há amor. E meu amor não vale ou acontece pra qualquer pessoa.


Seria bom viver com esperança, talvez, na força-fluxo do tempo de andança,

Longe de tanta palidez, tanta injúria e desfaçatez.

Mas todo o belo perecerá ou será desprezado;

E há dias em que nem mais ligo.


Perdoo porque esqueço e, se esqueço, os sentimentos já não importam.

E esse ódio cansado, por demais pesado não consentiu... desistiu de odiar...

Orgulho que simplesmente desistiu...

Quando assim, já não há mais ódio ou desprezo, mas indiferença


(Soberbas aparências não valem uma nota de três reais)


Bilhões nascendo e morrendo... Quem ainda é tolo pra querer ser importante?

Envergonho-me duas vezes. Primeiro, por ter amado o que era pouco. Depois por matar, só por preguiça, no outro o que já não ouço...  

Mas tem quem me dê sono só de escutar na voz ruína.

Cansa desafiar a sorte com os sem imaginação.

E como não revirar os olhos para o lado contrário de quem já foi amado, mas não é mais não? 


De minha boca sai a alma impura dos anjos que não sabem mentir, que não a mentira da criação. 

Serei eu o derrotado.

Abro asas para sair sem olhar pra trás. Danem-se os presos na terra, os que odeiam demais!

Só depois de saldadas as dívidas é que encontro a paz.


Entre a incoerência de querer mudar o que foi, e a incerteza da navalha fria do que virá,

Só no presente é que me faço.

No mais, doce ilusão que se vai...

sábado, 13 de novembro de 2021

Feitiço de carnaval (amarração pra trazer a alegria de volta em até três dias e 1/4)


I put a spell on you
Because you're mine

(...) 

You know I love you
I love you
I love you
I love you anyhow
And I don't care
If you don't want me
I'm yours right now

                  Hawkins


Já provei o sol,.

Já provei batuque, e a moça do riso sem pena, provei,

A noite teve até mortalha rasgada e rumor de  chuva dourada.

Quis pra mim o gomo do riso melado de queijo e doce queimado,

Suor e cerveja, mel de Carnaval. Cuidar do teu mal.

E na quarta feira de cinzas na Índia, China, Bagdad ou Ondina, entrar no mar de roupa e tudo, sua piscina,

E sair pelado sem surdina, dia do diabo à quatro e um quinto, 

Queimando RG, moléstia e moleira; carteira de couro e motorista a perder de vistas; o cartão de visitas para idiotas da costureira dos urros medonhos e feiras;

Último dinheiro, o primeiro sonho, cartão de crédito estourado quando jovem no mês de março; clamor de momos, evitei o tombo, caí no mar de celular e tudo, lavado no sal à gosto de deus, sagrado de Iemanjá.


Não quero abraços magros de cansaço;

Quero vitrolas, tempestades e marola boa;

 O riso rasgo do corpo largo.

Na cama a trama, na lama, na chama insonte, te pego e amasso, 

Te beijo na 👄 na mesa de quatro, se for esse o ato.


Ficou triste? Tá tudo bem...

Doeu? Viver até que dói mesmo...

Ficou cansado à toa, largou a proa, e a espinha quebrou quando bateu fracasso? 

Não!? 

Deixa disso... 

Se perdoa, faz feitiço e tira um sarro.


Não se culpe por ser feito pra sentir... Ser de carne é também falir...

Antes que a onda arrebente ou passe,

Não esqueça do espaço em que guardou tesouros.

Amanhã a tristeza há de ir:

Sigamos a cartografia da leveza.

Vá até o porão e cate a gargalhada galhardia.


Nesse fim de semana, uma cerveja; pra o fim de ano te peço e faço oração de corpo aberto:

Mentalize num riso meu nome vermelho escrito num palmo de pano qual plano tão raro papiro defronte ao defronte da fonte do espelho de água quebrado no meio.


O amor guardado pela flor que se abrindo, sou eu quem o trarei sorrindo! 

Sou eu, sou eu... Sou eu quem pelo peito o trará sorrindo! 


Minha alegria é teu riso...

Desse mesmo jeitinho farei com você:

De frente dum prato com sal e beleza, diga: Agosto me proteja do mal: olhado, falado, pensado, atiçado, feito, refeito, desgosto, antefeito, brutal ou banal; para o caso de que eu já não esteja, jogue um pouco de cerveja ao pé da mesa - pode ser artesanal. E lembrando forte de mim, repita trêis-vêiz "sim" pela minha sorte com firmeza:

Me proteja da indigna morte e da tristeza, que não me corte com frieza a foice; que meus dias sejam cheios de trabalho e café, e as noites de vinho e safadeza. Que o "sim"  vingue, quê o "não", mingue. 100 vezes tirar do mal o bem, 100 vezes demanda vencerá, e da tristeza alegria virá,  e tudo que quiser terá, e tudo que amar, fará. 

E se quiser mais, mais uma vez a felicidade aumentará; 

Que volte feito fortuna de riso-amor dobrado, raspado o fundo do tacho, porque tenho espaço até pra quem não me quer bem; mas arrumo e entrego tudo ao quadrado selecionando o melhor pedaço, melaço e xérem, pra quem bem me quer (amém).

Depois, queime tudo e jogue em minha porta de luz, com pétalas de rosas e lírios azuis, colhidos na noite do quintal... 

Ponha um pouco de gin, gengibre, pimenta malagueta e sangue menstrual.


E ao fim grite, se precisar, pra quem quiser escutar: tem alguém aí que amo; aí tem alguém que me ama tb; gente que se importa de verdade até o fim.


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Mensagens Ancestrais (poema beeeemmmm empoeirado, ao modo dos simbolistas)

 

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso


                        Mário Quintana


Rosas efusivas exalam,

Misteriosas na roda

Melífluos odores outonais.

Rasteiras cancioneiras d’amor,

Vestem altaneiras à guisa

Dos vastos rumores siderais.


Desata a vetusta odisséia,

E nos assombra uma alva idéia...

A máquina sonora soa:

De que é feito de cinza e ócio

Um soneto perfeito e dócil,

Caiado conceito que esboroa.


Apequena a ideia pura:

Ao invés da pedra dura,

A híbrida aquarela captada.

Donde houvera hastear velas?

Hei de colher outras querelas,

Ou um brando canto de mansarda?


Não me basta a terra e os mares,

Mas a curva do cais e as gares;

Quadro coarado além da janela.

Nem quero desgosto ou correntes:

Envergo o delgado nepentes

Esguichando em carne singela.


Não mais endechas calcitrantes,

Mas o sumo lasso escorre antes,

A despeito do despeito.

Digere e explode em distâncias

Breves, e sincopadas folias:

Sono, adormeça em manso leito.


Ébrios têm sido os meus dias.

Desde o despertar, doce criança,

Minha andança dança em penedias.

Paixões enganchadas ao pescoço;

Presas cariadas em alvoroço;

Cochicham entre si covardias.


Uma caixa em mim ressoa ânsias.

Busco brisas, feixes espectrais,

Alço glabros campanários.

Turibulários rezam Krishna,

Enquanto um obituário afixa

A lixa do tempo em carnavais.


Penso que a palidez óssea do papel

Seja mais sincera que um laurel,

Fumaça etérea das essências...

Excrescências da humanidade,

Não tenham mais iniqüidade

Que as episcopais audiências.


Penso que não há nada anormal

No desassossego do poema.

Ele é par e avoengo arremedo,

Do presságio de um mau aedo;

De tudo que se vai mais cedo,

Seja por desgosto ou medo banal.


Há um rochedo de incompreensão

Anteposto entre tu e tu mesmo:

Instaura a ordem nova no agora!

Para o espaço do amanhã vão,

Nenhuma esperança consola:

Desejar é achar o ermo e a hora.


Foge do casto eremitário,

E erige abruptos quiasmas;

Asperge eflúvios esmegmais.

Arrisca-te em virulentos miasmas,

E nada de mais especula

Sobre o que bem sabes demais.


(Oh bruma dos dias! Espumas do mover-se eternamente em que tudo cintila e de tudo se assenhora, vida, querer e morte... Ancestrais, enigmas meus, saudades e espessuras do tempo e ruína. Onde será que dormem agora? O que será dos mortos que não nos deixam? O que haverá do antes e depois anunciados nessa penhora?)