quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O RISO DO MEU AMOR

Quem não quer o riso do meu amor?
Lindo demais em duas covinhas
Que receito-o aos riso-necessitados.
Pois não mero ato orgânico,
Mas consequência plástica
De risismos desde longe praticados.

Risoamor: evento capaz de subverter vãs metafísicas,
E romper causalidades prudentes.
Sorrio se te riso!
Rindo, junto contigo.

Compreendamos: o riso do nosso amor
Faz cócegas dengosas
Na região occiptal da gente.
Procede assim: estica a saúde do são,
Restabelece o convalescente.
E seja lá qual fraqueza, protege,
Mas se tristeza, amoresce,
Além de cuidadosamente requentar pratos que descuidamos.
Riso de amor é armadura fofíssima.

Agora nos enlaçamos, pronto!
Até fazer voz de bichinho e doces apelidamentos
Mas por favor meu amor,
Não permita que seu riso se desvirtue ou engane
No auto-engrandecimento de turvas maturidades.

Não sorrido, insorrido, dessorrido,
Tudo isso é bem mais grave que a tristeza...
E, exceto Sílvio Santos,
Todo mundo fica triste de vez em quando...
Mas sabotar a valsa convidante
Em seu rosto seria pena.
E teu riso peleja além da pena,
Inventando aparentemente inerte,
O tempo amoroso da cantiga.

PERDÃO

Em minhas mãos você depositou meas-culpas Como sempre eu fiquei calado E assim perdoamos Não creia na palidez, meu amor. A palidez confunde E o perdão foi só que a saudade venceu Semelhante a um sono

sábado, 19 de setembro de 2009

MALVADA MULHER


Loucos foram os dias em que me hospedei sob teus cuidados...

Sendo cravo o que sobrara daquele pote alucinante,
E não os ferrões da inoportuna formiga,
Aceito novamente outro bocado dos prazeres
Que me tens ofertado com excitação crescente,
Por todos cômodos da casa e a qualquer hora do dia
Em que me procuras. Incansável, diligente.
E eu, excitando-me, sou-te
Sempre mais grato e servil aos teus encantos.

Acepipe selvagem e sumarento,
Que sentada, satânica e descaradamente
A me fitar, descansava por entre as coxas,
Observando atentamente minhas emoções e sentimentos
Nos mais íntimos gestos.

Não! Murmuro a mim mesmo.
Quero parar, preciso parar, pois sou homem comprometido...
Mas não sei mais parar...
Distanciar-me dos prazeres fáceis
Saídos de tuas habilidosas mãos...
Cobiço nevrálgico;
Cobiço débil, lábil, febril;
Sensualidade de tantos aromas luxuriantes;
Explodo!
Mordo e devoro, chegando mesmo às regiões mais molhadas.
E continuo, cobiçando ainda mais,
Com olhos, língua, boca à dentro.
Após tudo consumado, já completamente vencido,
Deixo escapar um último gemido de prazer...

Corroídas minhas forças, quero inexistir.
A razão reclama, mas o corpo diz: volta!
Jaz incapaz de seguir.
Pérfida mulher, o que me deste,
Desde o dia em que cheguei até a hora da partida?
O que fizeste comigo, ao ponto de tornar-me tão submisso e amolecido?
Confesso.
Sei muito bem que com isso, faltei gravemente
Para com aquela a quem entreguei minhas maiores esperanças.
(Por ela, em segredo, havia feito até promessas e simpatias)

Recaindo, de exceção em exceção, creio-me vil,
Descumpridor dos valores mais elevados
Da civilização que partilho.
Tudo perdido...
Já ouço os amigos e parentes batendo-me à porta:
Fraco! Farsante! Traidor!
Estou sujo...

Pois tu, insistentemente, e eu, sem as vergonhas devidas
A tudo cedi em acordo com tua doce acolhida.
Duplamente grato e atormentado, não resisto ou decepciono
Teus achegos e rendo-me - só mais uma vez...
Mas sempre é "só mais uma vez..."

E assim foi, com uma tal Dona Amália,
Fabulosa cozinheira maldita!
Faminto, devorei...
A sua gostosa;
A sua...
Irresistível compota de goiaba!
E tudo o mais em sua fascinante doceria.
Mas comendo-a, novamente engordei e, engordando,
Deixo traída, maculada, toda sofrida a minha frágil... Dieta!


Inspirado em Drummond, em seu texto sobre o pernilongo - outro tema com o qual, aliás, me identifico bastante...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

ORAÇÃO INSUBORDINADA NEGATIVA

Não quero o mundo certo das graças alcançadas,
Mundo vertical que engasga o corpo
Cifrado, faz do oposto um inimigo.
(Sem que mesmo ele desconfie da nossa má amizade)

NÃO! 

Não serei mais ao golpe dos movimentos retos
Em tabuleiros simétricos esperando o xeque mate.
E jamais poderei viver inteiro
Sem antes desmembrar-me
Da miragem de tantas democracias caducas!

Ai deus meu, livrai-me desse mundo recitado, requintado,
De quadros comportados decorando a parede.
Qual ato vicário das escrivaninhas e falatórios
em que perdemos o gosto das inesquescências.

NÃO!

Não quero a magnitude dos acordos possíveis
Substituindo afetos não doados.
E nenhuma agrimensura acatarei neste des-território.
Já não me servem profecias auto-realizadas,
Muito menos o gozo vão do dizer:
"Ah, viram como eu estava certo!?"

NÃO!

Eu não quero estar certo!
Mas também não quero os incapazes de trair.

Enterro a fidelidade cega dessa moralidade
Que reclama o homicídio da dignidade.
Enfastiei-me de cânones, cacoetes e puxa-sacos.
Nem bem me cai a ofegância dos cavalos de corrida
Galopando gloriosos em façanhas.
Renego gratas comodidades futuras
Por benefícios à "comunidade"...
E aquele prazer em dizer:
"Ah, basta uma ligação minha, e fulaninho... já era!"

MIL VEZES NÃO!

Nem mesmo um lugar entre as minorias oprimidas
Do planeta eu tive, ou me foi viável.
Não me coube qualquer rótulo politicamente válido,
Não me coube a franquia das identidades.

NÃO! 

Não quero a roupa sempre nova,
A pompa, sapato impecável e o medo do desterro.
Porque de mim mesmo fui desterrado.
E desconsidero os que dizem por aí
Que se preocupam comigo, que na penumbra perguntam,
Alheios, como estou... São do maior perigo...
Dispenso agora a complacência dos falsos,
Seus atentados ao sacro direito do devanear... 
O direito à dança...

DIGO NÃO!

Enquanto isso, sem que nos déssemos conta...
Perdemos um verdadeiro amigo e pra sempre...
O segundo passo, quem sabe, sentir que não houve perda,
Ou que ela foi pífia em nossa tanática taxonomia.
O terceiro: seguir perdendo mais por conivência...

NÃO!

Não quero o mundo dos que imitam ou temem ser imitados,
Dos que economizam sentimentos,
Ou creem que experiência é manual certo para conselhos.
Na contabilidade dos encontros,
Não quero o mundo dos que morrem por precipitamento.
NÃO! 
Não a essa vida de conveniências,
Nela falhei, falhei completamente

NÃO!

Não! Não! Não! E Não!
Quantas vezes me for preciso negarei:
Adolescente, narcísico, egoico, insubordinado!?
Não quero, posso ou espero
Carregar a bagagem morta do não tentado,
Do perdido, 
Do só temido por não amor.

Em nome do pária, do estribilho, e do espiralado pranto:
AMEI!

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

TARDE COM MEUS PRIMOS

Naquela tarde jogamos WAR e comemos farofa no almôço - farofa de calabresa e ovos fritos! Porque minha tia não estava em casa... Depois tive dor de estômago e minha vó passou-nos um pito, pelo que me lembro. Éramos eu e meus primos mais velhos: Augusto, Max e Eneida. E eu achava Eneida bonita. Com nove anos, fui o mascote entre eles, e me exibia falando coisas da Segunda Guerra; não sei onde tinha aprendido aquelas coisas. Eu também era grande pra idade, eles me mediram com a fita de costura de minha tia. Sentia que aquele mundo era divertido, e me acreditei acolhido, único e genial.

A casa dos meus primos era diferente, eu sabia... Tinha um frescor de arte e tudo respirava um tipo de esperança na vida. Arte pelos cantos da casa, arte nas panelas e paredes, nos quadros, arte na cozinha de minha tia Mariinha. Arte nas vidraças pintadas e no violão, que raramente via ser tocado - mas era uma pista fascinante pra mim. Foi lá que aprendi a pintar o mar, o sol, três gaivotas e uns coqueiros. Sempre fui mau com desenhos e pinturas, e sabia que se acertasse aquilo, qualquer um me entenderia. As vezes não sabemos pra onde fomos, as vezes não sabemos pra onde foram nossos primos... Todos saímos de nossos aconchegos,

Jogar WAR já não é tão divertido...
Não estamos mais pra brincadeiras...

CANAVIEIRAS (Ao meu pai e avós - esses últimos que já se foram)

Canavieiras permanecera em minha memória
Onírica morada do enganosamente recôndito.
Conferiu-me um torrão de luz
E por ele me resgato.
(Viço de várzea dengosa ribeirinha)

Minha nudez é glosa, do que de lá fôra indecifrável,
Do que de lá se encaminhara serenamente.
Meu contemplamento,
É verbo de vento vezes vago e impróprio...
Por um instante redimiam-se meus pretextos
Para uma vida sem significado grandioso.
Mas é que tudo caberia
Num espaço modesto e inteiriço.

Evoco tua doçura de menina.
Distante das turbulências de adolescente e das sombras da passagem,
E reaprendo o amor do tempo lento da infância.
Essa sub urbanidade perfumada de chocolate e coisas marinhas,
Simples e permanente.
Carne de carambola amanhecendo-se de orvalhamento,
Sumarências de frutas e mariscagens, côcos,
Aromas pelas árvores e seres em mutação.

Periquitos revoavam entre lôdos-mangues à tardezinha,
E à noite, quem sabe, se recolhessem numa estrela.
Eu, abandonado ao seu ritmo,
Aprendia coisas que não se esquece, como:
Andar de bicicleta, nadar e beijar.

E quando em seu colo, demitia-me da sensação
De que meu corpo padecia de qualquer incompetência.
E mais, decidi que nas doces bocas, águas e pedais
Estão os melhores marca-textos já inventados.
E mais talvez, porque te chamem de Princesa,
Soube beijar-te com umidade e equilíbrio,
Com o decoro, ardor e doçura devidos...
Mas cheio dos desejos e sonhos de adolescente.

A primalhada toda, aqueles novos íntimos
Chamados parentes...
Meninas-praia, arraia, pau de sebo e jardins...
Tantas ocasiões de ventura
Para esparramar meu corpo, mal educado
Pela cidade assoberbada, premida capital.
(E como a gente brincava!)

Enquanto minha avó com inabalável temperança
Testava o valor de sua culinária,
E cuidava, firme, de todos nós.

ILHA FORMOSA


Ilha Formosa, torrão fecundo,
Pedaço do mundo 
Onde Deus veraneou. 

Tardes amenas, noites serenas, 
Manhãs morenas de esplendor. 

Quando chega a alvorada 
A passarada põe-se a cantar. 
Saudoso núncio, canto do galo, 
E a estrela d'alva a despertar. 

Poesia de autoria do meu avô Aurino Costa - feita em homenagem a sua terrinha, a Ilha Formosa, onde viveu boa parte dos seus últimos anos, na cidade de Canavieiras, sul da Bahia.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

PARENTADA

Carambola, côco, cajú, caranguêjo
Jambo, jaca, janeiro.
Manga, mamão, fruta-pão, mosquêro
Tem doce de goiaba, tem chocolate,
Tem abafa-banca e abacateiro.
Quando criança, indo de casa em casa,
Descobria uma ancestralidade curiosa:
Meus entes cheiravam à comida.

A FELICIDADE

Me traga felicidade em 2 L - com limão e gêlo, por favor!
Será que vem bem gelada?
Ah, não esqueça, em KS;
Nasci nos 70 e não gosto de garrafa PET.
Ai meu deus, quêde a felicidade que não chega!?
Mas já não se acha na mercearia ou se encomenda...
Faz tempo quase bebi a felicidade num gole
Debaixo do jambeiro abraçado com Amarina.
A felicidade me deixou, dormindo...

domingo, 13 de setembro de 2009

CARTA AOS QUE PASSAM

Quando eu morrer gostaria de ter sido apenas
Uma criança que foi à padaria,
E que no caminho de volta
Sabia o quanto era bom
Comer o miolo por dentro do pão.

Em dia de enterro, de gente grande,
Brinquei se houvesse de brincar.
Eu não entendia porque os viventes
Quase morriam e choravam tanto.
Não disseram que havia um deus e que era bom?

Quando eu morrer não venham inventar algum meu heroísmo,
Nem bastará o lirismo dos meus poemas e amores.
Saibam apenas que vivi,
E não sei se foram mais, os dias felizes ou os infelizes.
Mas assisti a correria do tempo
E schava louco que se tirasse prazer da
dor humana.
Mas recebi o amor... Mas percebi o amor... E gostei... E retribuí...

Se quiserem, se puderem, se aceitarem, chorem, chorem muito.
Mas peço favor:
Não percam seu tempo com lamentos.
Se quiserem, amem-me agora, e atirem amor sobre meu corpo vivo, 
(Melhor que a melhor flor sobre o morto)
(Não quero na morte quem comigo não esteve de fato em vida)

Quando eu já estiver morto,
Abracem... Um cão, um gato, uma árvore,
Ou um bife mal passado.

Assim como todos,
Hesitei ante uma porta.
Assim como tantos,
Fiz parecer fácil a solução para os problemas dos outros.
Como tantos,
Esperei o alguém que solucionaria todos meus problemas.
E como tantos,
Visitei o extraordinário e realizei profecias.

Ora, a eletrodinâmica, a genética e a quântica
Não me convenceram de que tinham "a resposta".
Amanhã as ciências de hoje
Assemelhar-se-ão todas a um equívoco.
E eu, que parecerei?
E eu, que padecerei?
Ora, não tenho respostas.

Quando eu morrer saibam
Que aprendi a nadar e andar de bicicleta
Com alguém em quem confiava.
E até persegui promessas de felicidade de que duvidava
Mas tive um amor que segurou minha mão.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

MANHATTAN, 11 DE SETEMBRO

Setembro nem bem começou e nos ofertava primavera.
Ao norte do equador chegava outono
De folhas tristes caindo livres e sem vontades.

Precisou um avião, esse objeto de encontros
Para quebrar a tepidez no ir e vir das estações.
Precisou um quase anti-espanto,
Espanto dissimulado, aguado, maldito.
Provando que o bélico encerra
A simplicidade do mais simples dos bichos.

Arrastava-se o pendão dos vencidos, bíblicos,
Dos tempos de profetas malditos,
Tempos de Elias.
Findo o espetáculo,
Era olhar para o céu do oriente sem ter oriente.

Caixas de ressoâsias aprontaram-se para explodir...
Mas como fosse festa.
Enfeitara-se a estrada em pantomima.
Apertaram-se os dedos devotos ascenderam-se faróis.
Entre pára-quedas, bolsas e bombas imaginadas,
Numerosas feito rostos do inimigo (im)possível.
Dançou-se outra vez a  valsa-guerra
De clãs em chãos inchados, íamos
Ao futuro rubro de ruminâncias.

Corações de carne desabaram mais ligeiro
Que a lividez fantasmal do concreto.

Manhattan, ilha PreFerida de Hollywood
Albergou a histeria dos seus,
Filhos: pródigos, medrosos, raivosos, carentes.
E suas mães pavorosas,
Cegas e mudas em seu pranto.

Alguma gente culta entre os cantos do mundo
Parecia sofrer duma obscura teratologia.
Pois ferido o opressor e rompida a calmaria,
Talvez tenham tido medo, e dito para si:
"Não me culpo, não faço bolsas nem guerras!"
E assim se pôde sentir vingado e compadecido,
Pelos irmãos e inimigos.

Todos iguais em seu ocultamento
De arte de vanguarda e decadência.

Era preciso nunca ter estado lá
Para saber o que aconteceu.
Como num script familiar e todo limpo,
Mas sem final feliz.
Manhattan... Ilha de sonho e sombra
Num pequeníssimo mar.

Acabaram-se os grandes mares
Cheios de fantasmas e mistérios.
Apenas esse concreto brônzeo,
Gigantesco monólito vencido em ruínas.

E era estranho que todo mundo soubesse
Que a vida persegue um fio de instinto.
Silêncio que fala à carne…
Dia de sol nascido d’outro jeito.

A vacuidade antianalítica da TV, nervurosa
De excitamento se quer mais realista que o rei.
Certa de que aquela guerra seria sua,
Declarada e ganha, arregimentada para ela... Por ela...
(E a baixíssimos custos com cenários)

Quantos holocaustos serão esquecidos
Para que outros ardam prosperamente?

Agora não mais 1964, Vietnã, vis Pinochet's;
Não mais o coro de tantos africanos, latinos, palestinos.
Bendito bárbaro! O que seria do civilizado sem teu visgo?
Não há como viver nessa terra sem ser um pouco ladino!

Apavora a espera do estampido breve.
Sangue e olhos:  pólvora! Certeza breve: pólvora!
Repetida e retocada engasga apneia: pólvora! 
Canção do escoteiro marchante: 
Vai bom soldado do queixo quadrado! Vai!
Pólvora! "Mães que cantam a mesma prece!"
Pólvora! Crianças, são só crianças...
Forte cowboy, fiel pistoleiro, vai!
Pólvora! Eles sabem o que fazem, pai, não perdoai...
Bravo ianque a empalar o estrangeiro, vai!
Pólvora!
Sempre haverá lobos entre cordeiros, vai!
Incinerar o inimigo, conquistar a paz...
Com pólvoras... Vai...




OBS: Texto escrito originalmente entre 11/9 e 13/9/2001. Também, não ouvindo o conselho de Drummond, de que não se deve fazer poesia sobre acontecimentos... Mas continuo pensando que ele tinha e tem razão...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

NOITE

Noite escassa, mão arredia,
Foice e açoite... Vã e estrelada.
Noite vicária,... Velha vadia ...

Alquebrada e reticente,
Contraditoriamente: luminosa.
Noite sem rumo, sonho vidente.

Noites fogosas e quentes.
Irrealiza a noite apressada,
Apenas, noites e dentes.

FUTUCAR

Existem palavras curiosas:
Futucar, por exemplo.
Não se aplica a quem observa distante,
Nem a quem anseia regular o ritmo do mundo.
Futucar é palavra distraída
Que se apruma, vagarosamente afagada.

VOLUMES

Todo corpo é topografia singular
merecedora de tratados.
E penso que não se deveria desempregar
Os que amam tratar com avolumações.

MEU MAR

O mar de que me lembro
Não é grandeza nem sequer anseio...
Esse mar lírico da ventura humana...
O mar de que me lembro, sem heróis é intimo e pequeno,
E fala apenas de um tocar à margem,
Banhar meio acanhado
Defronte horizontes mais extensos.

É futucar de dentro da casca
Doces veios e lençóis de achegados rios
Pelo deslizar da mão numa fragilidade miúda.
Mar ausente de monstros
Ou precipícios medievos.
Mar inútil, carente de perigos.

Essa breve excitação
Na amplidão ensolarada,
Por entre paisagens irisadas.

Doce é o mar que vem comigo.
E eu sou para dentro, demais.
Mas até que me consola.

Quis um dia dividir meu mar,
Mas ele se quer indiviso.

Mar demografia modesta
Dos castelos de areia,
Um pouco desajuste sem fendas
Porque fecunda vacância.
Mar que é só a felicidade
Daquelas férias de escola.

sábado, 5 de setembro de 2009

MAGIA

Continuamos seres mágicos:
Palavras ainda matam e adoecem!

EXTRAVIO

Vou-me para um lugar que não procuro,
Eu sem destino, tu sem destino,
Esqueçamos por hora a morte.
Nesse lugar nos entendemos.
("Nesse lugar" chamado "texto")

Cumpro meus dias,
Cumpramos os nossos!
Despedindo-me de tantas bagagens que não me destinam
Com o sossego cruento de quem extraviou-se do ilusório.
Mesmo se pré-destinados às coisas vãs.
Com ou sem ganâncias, entrelamento houve
Nesse arquipélago sob estrelas.

Já não consta o bater das horas,
Os currículos e a esperança atenta
Entre os visíveis, senhores videntes da faxinaria.
Esses velhacos alegam ter recebido
De sabe-se lá de qual deus chato
Prerrogativas gananciosas sobre nosso tempo.
E também para eles já não consola
Fazer do fracasso um novo presbitério.

Olhos de aranha, olhos de insetos
Olhos negros de vermes contra vermífugos.
O que somos?
Ah, presságios humanos,
Cortejai também a estiagem.

As piruetas exercitam
Qualquer órgão vital inobservado.
E é certo que o sabemos inquieto,
Mas invisível às tecnologias médicas mais avançadas.
Vital e fantástico, propenso exercício
De saber: mais amadas que as virtudes
têm sido as vitrines. Mas se um dia as duas tiveres,
Saberás que também ambas serão insuficientes.

Esse mundo... Mudou subitamente!
Mesmo para esse animal humano que mal fez cem mil anos.
E eu que esperei acordar nos curto-circuitos duma só vida,
E encontrar intacto o mundo de ontem, feito abertura...
O que deveria levar senão a cara quebrada na porta da espera?

Há uma espécie de crueza incontida,
Encruzilhada que a poesia confessa,
Que nos ajunta e separa
Do  animal que somos entre animais outros mais velhos da Terra..
Assim foi: os seres alastraram-se
Mundo afora mediante... Sempre mediante...

Celeridade de patas, nadadeiras e asas.

Nós, animais que nos cremos,
Somos também os feitos de objetos
Que alçam vôos, calçam patas e singram oceanos.
Por vezes intangíveis animais comunicam com palavras,
E por vezes clamam por deuses
Em malhas férreas de errância.
E fitam através do precário balouçar humano.

Com as palavras, contudo, rezamos, comemos e copulamos.

TRISTE É O ESQUECIMENTO

Triste é o esquecimento,
Pois que furta aos nossos pés o chão,
E sem chão não tenho por que voar.
Vôo para bem longe,
Mas bem longe é também um lugar,
E logo que lá chegar,
Novamente me perderei,
Pra que à diante eu possa...

Comer com a fome de sempre o banquete lá de casa!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

NASCIDO PARA TOCAR - CORPO (Canção a Hendrix)

Quando toco minha guitarra,
É a vocês que eu toco:
Vocês, em porção primária,
Instância inaugural.
Não! Não sua alma, mas seu corpo!

No passado sonhamos com anjos
E criávamos metafísicas:
Eu toco corpo!

Era acordo que eu não valeria pra nada,
Mas descobri um destempero:
Simplesmente: que se ponha pra fora a pélvis dormente!
Descabaçar!

Em notas flamejantes meço o mundo.
Fogo em meus dedos, fogo em meu corpo!
Fogo, luzes, ação!
E o frenesi insano de brancos diante desse negro infernal;
Espetáculo de luz e sombras que vale ouro.

Mas se ainda quiserem insistir que toquei almas,
Direi que não toquei almas de palha
Que não sustentaram a danação do corpo.
Almas desencarnosas me repugnam.
Almas de carne, diríeis, assim bem quis..
De sangue, ossos e pálpebras...

Esqueçam a profundidade da alma.
O corpo transgride a vaidade,
Só o corpo é o que nos rasga a roupa.

Bem aventurados os que dançam,
Pois deles será o reino do chão!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

ROMÂNTICO

Alço o espaço dos seres imaginados,
Desde miméticos arcos melancólicos.
Para que o mundo se aconteça,
Há quem pareça um acorde ideal.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

VENTUROSO AVESSO

Aporta e descansa em meu corpo,
Que ele é náufrago e mensageiro
De um amor ainda inexistente.

Beija-me simplesmente.
À lembrança de amores surdos e sem vaidades,
Desconhece a maldade.

Aporto e descanso em teu corpo.
Breve estalo, amanhece
Convexo à cupidez de um crime.

Trago do que sou, vasto e obscuro,
Apuro ao teu cântico e sussurro,
Por entre beijos e pálpebras... Corpo...

Este cravo do que sou, vasto e obscuro,
Aprende e aflora qual livre e descansado,
Disposto à doçura de amar-te delicadamente.

MAU AUGÚRIO

Ontem ví uma corujinha pousada, no chão,
Me olhava de um jeito estranho.
Anteontem, minha mãe ao telefone:
- Tô sentindo uma coisa ruim meu filho
- uma gastura.
Hoje um carcará do serrado,
Mais estranho, quieto,
Do chão me fitava...

Os seres desceram de suas árvores.
Meu Deus, estarei morto?