terça-feira, 17 de agosto de 2021

Sedução, desejo e recalque



A sedução melhor comunica quando em silêncio.
Se sentimentos tivessem vida, o que seduz confessaria o ambíguo.
Na arte entre o "não é bem assim...", e o "será que você não vai fazer nada?";
Há jogo árduo de ardis... 
Tampa gélida sobre a panela quente dos teus quadris.
(Não me leve a mal se pareço debochado, mas dia desses foi por um triz eles quase me queimaram)
Mas que não se confunda toda duplicidade com permissão à violência, demência.

A sedução toma de assalto seduzido e sedutor, e facilmente troca os dois de lugar.
Pois sou mimado quando mimo o meu amor, e quando o agrado agradeço seu licencioso chamado.
E se em segredo acolhe meus gestos mais safados, mais me perco em dar e receber, mas sem que deixe de sentir saudade.
Quente e frio, fogo e água, luz e sombra, longe e perto...
(Esse jogo é perigoso)

Nesse ir e vir entre chamar atenção e o desprezo silencioso,
Entre dominar e ser dominado,
O certo é que todo o tempo sem afeto é desperdício.

Meu amor é  lindo demais para que morra exilado;
E me desconcerta de improvável imprevisto,
Sem que se faça ideia do meu gostar, do quanto desejo.
De tão especial desafio, desatino.
E assim como eu, a pessoa amada também se trai e disfarça; diz que está confusa e tem lá seus segredos.
(Eu estava aqui mas não sabia. Por que demorou tanto a se mostrar amor?)

Mas ainda me cairá bem esse jogo, se uma sua metade nua estiver voltada para dentro em apneia me convidando ao mergulho.
Há uma rosa pendendo de tua boca e só você não viu.

Resistir ao desejo se carregado de sentimento adoece.
Dissuadir, negar o que fascina é padecimento,
Esse não ter dito e feito da ocasião certa ato necessário.
Fica um ferrão na carne,
Terra arrasada de fantasmas, arrependimentos e sombras que o semblante não esconde.
Fica o esfriamento envergonhado de quem se deixou seduzir,
Ainda mais quando se reprime.

O quarto aberto, a chance da chave ofertada não perdoará desperdícios.
Mas o reprimido nada admitirá ter feito ou consentido, mesmo que "flagrado",
Mesmo que o sedutor hesite ou torne público seus intentos; inda mais se houver algo de proibido.
O reprimido tentará salvaguardar a todo custo a honra perante a opinião alheia e a sagrada família, quem sabe assim preservando seu valor nos mercados dos flertes.

Delator, não se permitirá perder o privilégio de acusar o outro e os diabos pelo próprio deslize, e se fará donzela inocente, enganada pelo lobo.
Tal ilibado, qual libido... Acre celibato...
E enquanto envelhece só sem amor, suspira frente a TV e you tube; entre seriados da Netflix, compras de bugigangas e doces; ou até bonecas infláveis e vibradores, mamadeiras de piroca e fotos idealizadas de artistas e atletas no Insta... 
O cardápio de curtidas é tão vasto quanto triste.

Mas condenará com moralidade cristã e burguesa as roupas curtas e justas dos outros, 
As palavras, olhos, o nu e o sexo exalado dos outros; 
Condenará as mesmas mãos atrevidas que antes havia secretamente consentido; 
E o dorso irreverente livremente exibido - dos outros, é claro...
E será com nojo que condenará as danças eróticas folgazans, essa suposta patuscada, invejosamente rejeitada "vulgaridade" do mundo, 
Da "plebe" desencanada...

Enquanto se justifica e ora pedindo a Deus perdão pelos próprios "vícios", instintos recolhidos; 
Uma crueldade perante o prazer alheio asperge no ambiente. 
Nesse ponto confundirá ódio, afeto, admiração e desprezo, 
E reagirá alergicamente temendo que o corruptor invada sua mente e a tudo domine, contamine.

Eu sei que se feriu, que tem medo. Bem sei do que em ti me reconheço e quero bem, quero cuidar.
(Até mesmo quando discordamos, até mesmo no que reprovo)
Você  não acredita que merece o amor;
E duvida de sua beleza...
Mas mesmo que diga que não sabe dançar, 
Penso que não há nada mais sensual que tua boca nua de tempestades.
Você é  meu desatino, erro de juízo. Mas qual juízo?

O desejo não deseja somente a realidade, 
E hoje descobri que ainda sou romântico,
Porque ser romântico é não saber dar utilidade ao amor.

Dane-se! Só digo isso porque te amo.
Dane-se! É só o amor dizendo que não há verdade sem reconhecimento recíproco, só metade de verdade. 
Preciso dizer o quanto importa. Pra mim você importa tanto.
Eu não quero nenhum reparo na curvatura de tua cintura,
Cá te espero exatamente do seu jeitinho.

Você  não pode fazer nada a respeito desse amor  imperfeito...
Seria capaz de atravessar toda cidade a pé só pra escutar seu "bom dia" sussurrado feito miado de gata mimada chiando em telhado com  teus lábios de mel em meu ouvido; 
Tão linda nessas suas roupas de dormir que me acordam... 

Mesmo que você tenha vivido até agora 
Como se o dizer NÃO, fosse a melhor maneira de se sustentar,
Sei o quanto pode ser bem mais que a dor.
E sei também que tantas vezes disse sim para o há-de-vir.
Por tudo isso é que te quero, 
Nessa beleza desmesurada de contradições; 
Essa temperatura sempre quente, tempestuosa vitalidade e selvageria entrecortadas de doçura, 
De coragem para entregar seu melhor, de não se dobrar apesar de tudo...
Meu mundo fica melhor só por saber que você existe.

Mas em meio à chuva, a noite,
E nela a espera do não realizado, do postergado para um outro dia que talvez não chegue.
Ainda enlouquecem os sentidos; tudo está molhado.
Mudando, a respiração  enrubesce a face 
Ao ponto do olho não mais disfarçar a febre.
Contudo, nada ficará limpo do "pecado", mesmo após lavado.
Ele ressurgirá noutro lugar mais fundo, 
E mais se consumirá o cheio de pudor, 
Feito mais semelhante ao que crê repulsivo, ao que esconde.

Bucetas quentes, cus e paus impinados dos recalcados de todo o mundo, uni-vos! 

No escuro do recinto... Cinema mudo...
O recalcado achará vulgar ou nojento que palavras como paus, cus e bucetas apareçam em prozas e versos...
Porque isso desencanta sua própria mente de caraminholas, privando o hipócrita do gosto de pecado.
(Mas, pervertendo-se em tudo ele precisa em tudo ver putarias - apenas nos outros)
Por pura sonsidão perguntará a si: “o que fiz?”,
Sempre diz que nada fez de inebriado e,
Talvez ponha a culpa do ter cedido, do ter amado, no misterioso vinho farto de taninos, que quem sabe lhe serviram com malícia.

Já meu coração acelerado, inadequado morde-me por dentro,
Enquanto por fora meus olhos de lembranças acariciam-te aveludados, imaginando mil delícias impossíveis contigo.
Eu estava só e te pedindo, de amor perdido, sonhei contigo de mãos dadas.
Imaginar que me quer mal ou simplesmente despreza, só não é pior do que um dia ter que te desamar.
Isso eu já nem sei; optar por mim e te sacrificar...
A melhor hora é sempre a do gozar tua presença.
Será que te bastaria se eu traduzisse toda areia da praia em diamantes?

Nada importa que não você! Não me sai da cabeça! 
Estou perdido, adoeço contando mais um dia vazio sem você ... É  sempre um dia a menos para viver.
O quarto escuro, a cama funda como que cintila.
O corpo quer loucamente até a comichão; há suor quente, tesão quando ainda estávamos à mesa...
Aí, esse frenesi louco que antecede a espera de tantos beijos imaginados, toques, o abraço largo que o tempo já não consente.
(Saberemos algum dia se fomos opção um para o outro?)

Nenhuma calma, só montanha russa perfumada de hormônios...

domingo, 15 de agosto de 2021

Despertar quente-frio em Canavieiras

 


"A felicidade vem em lampejos. Tentar fazer com que ela dure para sempre é aniquilar esses lampejos que nos ajudam a seguir em frente no longo e tortuoso caminho da vida."

Friedrich Nietsczhe 


Embrulhado em grossos cobertores, vulnerável feito pupa acordo.

Não ouso rolar para o lado vazio da cama por medo do frio.

Isso já merecia um poema para um nordestino no litoral baiano.

Mas quem sabe o calor das palavras baste para lembrar meu lugar tropical de exuberâncias,

Assim como a labuta e algazarra dos bichos no quintal, e os sabores na cozinha.

O sol chega tímido anunciando o dia, as folhas; pássaros e insetos em folias de  empanturramentos e cópulas;

A vida segue seu propósito em cadeias alimentares contempladas desde a janela orvalhada; 

O perfume das folhas e flores e terra contrasta com o interior da casa, com seus aromas de móveis e comidas, com minha pele vibrante e já um tanto enrugada; tudo parece perfeito.

Abraço vagarosamente a cadelinha Diva que vive com a gente. Tão gentil que me perco na sua civilidade adocicante de pelinhos macios, em seus olhos castanhos claros de ternura inocente, contagiante.

Ela me acorda com patinhas, percorrendo-me com esses olhos de que sou o ser mais especial dentre todos no mundo.

Agora a pouco salvou-me da tristeza. 

Nessa manhã, sonhava que um espírito mau me observava querendo-me em algum inferno de alguma religião perdida de algum deus vingativo e carente de atenção.

Espero esse despertar de lambidas e versos não rache o ar de quenturas em meio ao frio;

Senão minha mãe me mata se algo quebrar na casa, pois ela no fundo sabe que ainda sou o mesmo menino curioso e estabanado; parece que aos seus olhos permaneço um tipo de bebê gigante apenas um tanto mais atormentado.

Faço o café enquanto esquento as mãos no vapor que escapa da chaleira, depois verto água por sobre a borra no papel afunilado. 

Ponho tudo no quente-frio; bebo lentamente até aquecer a entranha, enquanto os bichos no quintal trabalham em algazarra.

A vida é  metade tragédia,  fortuna, metade virtude, ímpeto.

Meu corpo desperta com a corrente dos eventos banais que me mantém vivo. Meu corpo desata meio impaciente; penso no que será o dia, como hei de sobreviver a ele. Como ser duplamente grato e desapegado, liso e suave, e  forte, com a fome dos passarinhos?

(Quem disse que eles  comem pouco é  péssimo ornitólogo.)

Nessa cidade do sul baiano aprendi tempos atrás a nadar, andar de bicicleta e beijar.

Nem todas as coisas igualmente bem, mas tem me servido. 

(Coisas que não se esquece)

Singela, charmosa cidade perfumada de cacau e pescados e flores, e frutas que amo um amor profundo de brincadeiras de infância.

Aqui meu corpo expande para além do que permite a grande cidade.

Minhas mãos no quintal agarram objetos como fossem prensas, passadiços, massaricos brutos e aligeirados como sou.

Mas não ligo...

Devoro ovos como fosse uma raposa, urso, cobra, carcará  ou guaxinim. Gosto de todos esses bichos de verdade.

Sou metade maldade, metade campo.

Vou à praia com meu irmão nadar, contemplar; caminhar por sobre areias irisadas ouvindo o som da maré, das ondas revoltas de chuva e mangue carregados pelo Rio Pardo.

Fito meu corpo bruto cheio de fibras tensas, de nervuras e sangue fluindo ao pulsar de querências ainda juvenis; de carnes fremindo e chiando

Desperto um pouco mais e tudo parece breve; sonho por que risco. 

A verdade é  turva e turbulenta para quem viveu mentiras demais.

Espanta a cólica o poema-vida, aurora-sinfonia de seres e ritmos dos elementos naturais.

(Antes que o dia seja)

E aprendo nesse mais um dia a pesada tarefa de ser leve.

Grandeza ordinária dessa vida de pequenos gestos

Entre gentes formosas nas quais esbarramos nos corredores de nossas moradas, 

 Ou na amplidão da rua, encruzilhadas de caminhos alguns mesmo que fininhos.

A verdade é rara.


Ouço papagaios e periquitos em revoada...

São lindos...