sábado, 10 de outubro de 2009

CANÇÃO PARA O MAR

Negro nos teus olhos
Noite na minh’alma
Canção bem distante
Dai-me acalanto e faina

Um cantador canta o vento
Canta o tempo
Um cantador cata o mar

O mar...
Não tem medo de achar o vento...
Não tem medo de achar o tempo...
Não tem medo de achar luar...

O mar...
Não tem medo de achar o mar...

PORTO ALEGRE (Uma canção)

O que me faz viver assim
Como um fio de desmedida paixão...
Porto alegre vem...

Me espalha em vestígio insonte
Me traga no nervo da noite
Como eclipse final
Que abriga o sol escassa e despe
A lua em pura solidão fatal

Sem ter ninguém pra contemplar
Foge o azul do céu e eu choro defronte
Porto alegre vai...

A brisa sopra a face encosta a pele posta
Delatam outra dimensão
Reitera e gasta o meu viver
Em promessas loucas
Canto o que não sou eu...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

GRILOS (À Mário Quintana)

No dia de Todos os Sonhos, quando deitares na grama
Em disposição óbvia e precisa, assim,
Feito um grilo, apenas, e sonhares um mundo em tons de verde,
E saboreares pequenas graminhas, e o orvalho depositado
Nas extremidades, e estiveres sinceramente
Entre muitos outros companheiros grilinhos,
Passeando e observando os verdes mais saborosos,
Só no dia em que deste modo amares,
É que desejarás e saberás mais que tudo, ser mais um,
Desejarás mais que tudo ser comum e estar só.

HOJE ACORDEI PEQUENO

Hoje acordei pequeno
Até conversar com besouros.
Acreditando-me herdeiro
Do menor dos existentes, de repente
Caber tornou-se palavra tola.
Os pigmeus da selva com suas flechas,
Os silfos e os sons das flautas
Não assombrarão meu etnocentrismo.
Hoje meu primitivismo acentuou-se no corpo,
Obrigando-me pequenamente
A um civilismo endêmico que esquece resistências... A sorte me confere...
Ademais, quem a essa hora será menor que eu?
Os menores homens do mundo
Também têm seus paradoxos:
Querem-me próximo e distante de suas pugnas e pequenices,
E sabem saltar - feito pulgas!?
Comprei um fusca e pipocas,
E me redecorei de ternos relicários.
Se os vãos da casa agigantam-se e me excedem,
Sorrio vitorioso:
As quinas assassinas dos móveis
Já não maceram meus joelhos.
(Poderia talvez regatear taxas módicas em serviços ao meu caso?)
(Entrarei para o livro dos recordes?)
Mas eis que me aflijo:
As obras públicas, os objetos da indústria,
Máquinas e vestimentas,
As comodidades e alimentos enfim, 
Hoje não contemplarão minhas pequenas necessidades.

Fui a uma loja de artigos infantis e,
Desde que acordei tem sido esse estar na ponta dos pés
Para crescer sem fazer barulhos.

sábado, 3 de outubro de 2009

A ESTRELA DE ALGIVAR (um cordel)


*

O que aqui se irá lembrar
Se deu há muito numa terra
Num reino belo e distante
Ao qual chamavam Algivar.
Tempo em que tudo nascia
Mais dourado e radiante
Em perenal desabrochar.

Quis o destino que um mistério
Desafiasse aquela gente.
Pois lá quedara estrela rara
Que ao negro céu brilhava inteira,
Mas que ao chão era semente
Pedra negra e atraente.

Todos então em alvoroço
Buscaram o tino e a valentia,
Que havia em cada coração
De toda gente que ali nascia.
Pra que roubassem da pedra-estrela
Os segredos que ela escondia.

Como de praxe nessas terras
Rainhas e reis julgam e ordenam,
Disse a rainha: a cada um,
Conforme ofício e coragem,
Que se desdobre para encontrar
A tradução desta imagem!

Como de praxe também sucede,
Foram os valentes a se arriscar.
Assim os bravos combatentes
Que nem das almas são tementes,
Tentaram em vão despedaçar
A dura estrela de Algivar.

Com mil alfanjes e correntes,
Cetros, machados e setas ardentes.
Golpearam os flancos e o centro,
Incendiaram e esmurraram,
Usaram aríetes e catapultas
E todas armas que puderam usar.

Já desgastados, disse a rainha:
Parem todos de insistir!
Ficava tarde e, a partir dali,
Começariam os ferramenteiros
Que na mais perfeita ordem
Se empenharam sem distrair.

Mediram, riscaram, olharam,
Tudo conforme o figurino.
Um trazia régua, o outro compasso,
Brandiam canetas riscando o espaço.
Uns, pernas compridas, uns mãos robustas
E, até olhos, de amplidão absoluta.

Mas para evitar confusão
Quis a rainha que ali houvesse,
Alguém de uma boca enorme
Bem aplicado em só mandar.
Trouxeram então a maior boca,
Que habitava em Algivar.

Mal começara a labuta,
E cada um se restringia
A só falar daquela pedra
Sobre o pedaço que lhe cabia.
Mas pra explicar a pedra inteira
Nem quem mandava conseguia.

Pois quem ficou com a ala norte,
Sobre a sul nada sabia.
E que do centro do monólito
Vazava um gás insólito,
Que só um nariz enorme podia
Daquele odor ter boa valia.

E quem pelo nariz não conseguia
Começava logo a se confundir.
Assim também eram os outros:
Os de mãos fortes, por exemplo,
Tocavam a pedra de um jeito
Que ninguém nunca iria conseguir.

Os dos olhos viam coisas,
Das pernas acertavam passo.
Das orelhas, estômago, pés...
Meio àquela aflição de infiéis
As mãos brutas surravam os pés,
Que distraídos pisavam olhos,
Que choravam bravas torrentes,
Que alagavam tantos pulmões,
Que prendiam avaros, o ar,
Que o nariz não iria encontrar.
Vejam, quem jamais se entenderá
Nessa babel que tomou Algivar?!

Ah, mas dessa vez nem precisou
A rainha nada, nadinha mandar,
Pois cada um por si tratou
Dali fugir sem se explicar.
Restando só o vil feitor
Que era bem pago só pra mandar.

Mas como então ficou sozinho
Sem ter mais com quem gritar,
Tratou também de ir sozinho
Tomando logo o seu caminho,
Deixando a oportunidade
A quem quisesse se arriscar.

Vem! Disse a elegante rainha,
Chamando um homem quase sisudo,
Ao qual tomavam por sábio
Por mostrar-se ele tão hábil,
Em falar desembaraçado
Sobre coisas de todo o mundo.

Compenetrado se debruçava
Com propriedade notável.
Tão bem ele se articulava,
Que o mais versado dos versados
Caiu em perplexo estado,
Tamanho era o seu professar.

Ele todo, toda a pedra olhou,
Com olhos, boca, e suas pernas.
Pedaço a pedaço, nada ficou.
Nem um só milímetro nela,
Ou nada que dela exalasse
À sua sagacidade escapou.

O povo se entreolhando,
A ala nobre a se espantar,
Pois tinham enfim encontrado
Depois de tanto pelejar,
Aquele que era o mais sábio
Dentre todos em Algivar.

Mas quando foi requisitado
A mostrar o que descobria,
Disse que não havia jeito
De contar tudo que via,
A não ser que todos outros
Viessem a ser como ele um dia.

E que ele mesmo muito teria,
Que se ater por bem mais tempo,
Sem descanso e sem alento.
E nem mesmo uma vida inteira
Por mais que longa e proveitosa,
Satisfaria tamanho intento.

De modo que a pergunta feita,
Foi de tal risco enigmática,
Que a resposta que se mostrou
Era tão larga e inconclusa,
Que o pobre sábio, desesperado,
Não compreendeu o que encontrou.

Ficou o povo decepcionado,
A corja toda quis assistir,
Aquele que era quase santo
Por seu esforço em existir,
Prostrar-se mártir derrotado
Por não ser feito para mentir.

E a rainha, em tom de escárnio,
Pediu ao sábio que fosse embora,
Embora achasse que à tal hora
Nenhum outro mais poderia
Desvendar naquela pedra
Todos os signos do porvir.

Já num profundo desespero
Fez a rainha que adentrassem,
Dois homens que em silêncio
Vinham trazer sua mensagem.
Mas como estavam ao fim da fila
Tinham que ter bem mais coragem.

Pois se acaso a aflição
Do povo todo em confusão
Ao cabo não silenciasse,
Terminaria a ocasião
E os dois em meio à multidão,
Seriam O Mal em rubras faces.

Com incomum serenidade
Sentaram então por sobre a pedra.
Tão carregados de paixão,
Que quase não se distinguia
Quem era pedra, quem era o homem,
Tão crua a participação.

E cada um fez fluir da pedra
Maravilhas em turbilhão,
Como se a estrela fosse a mãe
Do universo em explosão,
Parindo o mundo num segundo
Sem remorso, ou aflição.

E cada um bem extraía
O que mandasse a profissão:
Um, falando com santos e anjos,
O outro, sereias e canção.
Um sentiu uma força estranha
Que já não tinha explicação:
Um, poeta louco, cancioneiro,
O outro, era santo de coração.

E todas essas verdades duras
Inscritas numa confissão,
Faziam a dor de trajetórias
Que inundavam de emoção.
E cada um era uma história
Que espantava a solidão.

Vinham musas que cantavam
Pintando a saga da paixão...
E os bosques verdejaram
Na vida que semeou a vida,
No rosto que encantou o rosto,
Verbo sano, sem explicação.

Dosséis, casas, estrelas mil...
Flores, mistérios e brasões...
Jorravam num passo febril
Amuletos, trevas e trovões...
E o riso que nunca sorriu
Desabrochou cem mil quarteirões...

E as galáxias semearam as veias...
As teias libertaram abelhas...
A natureza viva nos remia...
E a gente toda aplaudia...
Chorava, amava e ria,
Pois que aqueles dois simples homens
Lhes ofertavam o reencantar.

E só quem soube atentar
Pôde então compreender,
Que a pedra também roubava
O que em cada um fazia ser.
E enquanto os dois sangravam a pedra
Eram tragados sem perceber.

Pouco a pouco então se fez
O milagre da transmutação.
Num gesto pleno de avidez
Mas também de dor e solidão,
A pedra e os homens tornavam-se três
Mas sendo pra sempre um só coração.

Até que ao fim, quase exaustos,
Selaram a nobre comunhão:
Do homem que virou estrela-pedra,
Da pedra-estrela que virou homem-chão.
E ainda hoje a pedra-homem
Pode ser vista lá em Algivar.
Mas dos dois sábios, o que se sabe,
É que envoltos em densas brumas
Tornaram-se dois astros candentes,
Subindo aos céus pra nos guardar:
Um deles soprando poemas,
O outro a nos abençoar...

( )


Alguém já disse que tentar explicar nossa arte - sem aqui entrar no mérito do que é ou não é arte - seria um empreendimento perdido, já que, se precisamos explicar, é porque o que se fez não está bom, ou pronto pra ser mostrado. Muito bem, pode ser o caso, mas, teimo aqui em algumas expiações, sem entrar detalhadamente no conteúdo do texto... Pra começar, fica fácil observar haver uma remissão à Caaba islâmica, mas, remissão apenas ao mito da chegada, mais velho que o islamismo - hoje se questiona inclusive se se trata ou não de meteorito -, da pedra negra que se encontra em Meca. Essa remissão a uma história mais ou menos real, mais ou menos conhecida, trama que, imemorial, se refigura no texto e nos tempos, é comum nos cordéis. Mas também, fica óbvio o quanto o texto destoa dos demais aqui postados em formato e tamanho. Breve narrativa, pretendeu-se fosse voltado ao público infantil ou infanto juvenil - e enriquecido/combinado com imagens. Mas considerei que ele ficou um pouco pesado pra esse público, e não sei se poderia se encaixar como texto geracional qualquer - uma vez que pudesse ser julgado infantilizante, morno ou boboca pelos já mais adolescentes. Não subestimo de jeito nenhum a capacidade de compreensão ou a sensibilidade das crianças, nada disso, digo o contrário. Acho, é que há linguagens das infâncias difíceis pra maioria de nós, senti que penei nessas dificuldades. Talvez seja um texto pra gente mais velha mesmo, mas que não se sente completamente madura, que nem eu!!! E, claro, consola-me saber que tem um monte de gente assim mundo afora... Também se trata, claro, desse "gênero", o cordel. Melhor dizendo, minha versão atravessadíssima dos cordéis - e com tantas vacilações rítmicas que denunciam um debutante desengonçado sem a devida "mãnha".
Abraços calorosos!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

LANTERNA DE GARRAFA PET IMPROVISADA EM ACAMPAMENTO

Uma vela arde pequena
Dentro da garrafa plástica.
Solidão do tamanho do mundo que arde em mim.
A garrafa se encolhe,
A vela se apaga.
Enquanto a noite segue silenciosa
Realizando seu trabalho...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

AS CHAVES

Imaginei um tempo de muros transitórios
Feito fumos, de pequenos pecados abertos à visitação.
Casas e praças habitadas por pessoas sem portas havia,
E tantas teias gordas de bichos embaraçação.
Mundo já sem normas, polícia ou juiz,
Sem crime, carrasco ou delator.

Fui à curva do rio catar um segredo,
Catei.
Catei mais outro,
E outro ainda.
Gastei a curva!
Mesmo depois da desprecisão,
Era de valia escutar um "Deus perdoe!"
Deus lhe guarde ou leve..."

E matutei: será que um deus triste feito pecado inda vive,
E só eu é que não sei  e nem onde?
Nem mesmo se é Deus e se dança ou aprochega em transe?
Permanecimento inquieto...

Derrubado o farto medo,
Perigo do vulgo é o defronte.
Há de se tomar pequeno pote
E dar de beber ao rés do chão.
É no chão que dobra vã valentia
E a gente sabe, de um saber que não se consome,
Coisas de mortes mesmo que nem
Longes mortes anunciadas.

Quando criança desgostavam-me densas demografias.
Queria diluir-me para sempre, para sempre...
Brisa por que movente...
Para quê quem sabe nunca mais me vissem.

Será que tudo não passou de centeio hereditário?

Recordo qualquer incidente inventado:
O telefone de casa tocou diferente
De quando ficou óbvio falar por um fio que se ouve.
Meu pai atendeu na sala de estar tudo bem.
Naquela casa quieta como me lembro.
Ao outro lado do aparelho ofereceram-se chaves e bugigangas,
“Chaves para que?” - perguntou meu pai.
“Não temos cartão de crédito e, daí pra dentro,
Já estamos fartos!”

Sigo, feito folha engordurada em seiva de noite vencida.
Cresci!
Ou será não ter crescido?
Só me perdido, desmembrado galho.
Grassando em futucar,
Amanheci-me na beira do estrago.
E lá estava eu, lendo livro velho de bugigangas.

E o meu pai já não atendia o telefone lá de casa