sábado, 19 de fevereiro de 2022

Tenho mais sustos que luas


Acham-me arteiro, mas nada disfarço.

E até vario, mas não é pirraça. Só força do espinho que encrava ao passo.

Tenho mais sustos que luas!


Vario, vário, vario!


Vago largo e rasgo até chegar fevereiro:

Como quem vive largado no mundo,

E já nem sabe onde deixou o cansaço.


Pra que toda tinta e perfumaria,

Quando me trai à boca o amargo veneno?

Valem finos fogos, papos ou remendos?  

Não sei...

Nada será bastante fundo. Mas ainda queremos prazer.

Será por isso o passo arrastado do meu destempero?


Escondo-me por detrás da natureza em vício,

Na esperança de um descanso que me perdoe a inconstância.

(Me torno mais inconstante ainda)


Tenho pouca fé. Acredito no que vier. 

Mas meu coração já não dorme.


A relva bruta brota e nos toca sem precisar.

Não há glória, rancor ou alegrias na vida;

Apenas “há” de um haver que se basta,

Sejam velhas ou jovens cepas de folhas e raízes e troncos. 


Os bichos trabalham com espanto corriqueiro - ou sua ausência.

Doenças e morte, irregularidades da topografia, ramagens e sorte.

Tudo é mote para aceitarmos o vento, reconhecendo vez por outra sua direção e esquecimento.


A precisão de ser alguém é privilégio de bicho humano. Adoecer a alma.

Gostaria de não ostentar nada... 

O silêncio é grande, o sol desaba.


Sobre a planície sangrenta há roseirais e águas lamacentas.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Esperança

 

Uma esperança moribunda e pobre,

Que de tanto pesar já não move,

Se apresa nas fileiras da lida.

Há quem diga, seja rancor já sem vida;

Tem quem creia, seja fome, dor fincada no não mais.


Talvez seja só desespero

Dessas Good vibes tóxicas que não sabem chorar.

(Mas quando o mundo se acabar, quem fará nosso luto, obituário das noites tenebrosas?)

 

A outra esperança é real e mais singela, não espera,

É revolta de revoada, cesura inconformada contra o medo e apatia. 

Gosta de poesia. Conversa com animais.

Luz e sombra em fevereiro. Selvagem destempero que abre o há de vir. 

Quer mais.


Eu fui um doido que abraçou a ambas. 

Cumpri loucuras que mal sabia, esquecido de mim à revelia.

Poderia ter sido cego...


Tudo muda, tudo queda, dor e prazer viram merda.

Justiça, merecimento, transtorno ou destino são  filhos do tempo que mal pressentimos.

Eu?! 

Acreditei num mundo vindouro para além do meu destino:

De ternura,

Com seres feitos de menos ódios e mágoas, menos orgulhos e amarguras.

Sem que fracasso e arrependimento nos definam.


Mas também doei calamidade. Sou insônia.

Em minha fragilidade, disparei rebeldia contra o insulto totalitário dos eternos.


(Como não tomar partido nessa guerra pela vida que é a vida? )


Erramos às vezes...

Eu tive medo.

Mas não quis me tornar arrependimento.

Quis o reverso.


Ah sonho miúdo do meu apreço, bem acreditei nos recomeços dos beijos e versos.

Não! Eu não busquei o inimigo na noite escura, na tarde vazia ou minha clausura.

(Bastava-me a felicidade bem temperada)

Mas ele veio mesmo assim... Com mentiras e garras, faca amolada. Face dura que não esqueci.


Da primeira vez não pude nada, senão fugir.

Só que não, não mais. Nunca mais...

Buda sabia: não há felicidade para quem vive ao seu encalço.

Mas se a felicidade continuar frágil ou miúda, 

Urgente será agir, mesmo que pelo silêncio crasso.


Cansei de ser o escravo;  

Forasteiro preso na Casa Grande, 

Paralisado pela ânsia auto-congratulatoria da denúncia.

Ah, desapreço da calúnia!

Cansei de ser a mentira parasitária, provisória-pra-todo-o-sempre;

De ser o acidente que escapou do motim, vergonhoso de salvamento.


Desprezo agora a espera impotente!

E não mais serei o açoitado:

Fugitivo que pelos porcos traído,

Morreu sonhando ser libertado por Isabel no botequim.


O meu sonho é Zumbi!

Não se pode caber no sonho alheio.

Caminhar junto é dar as mãos... Não é seguir...


Quando jovem, um vento passou

E a flor do meu sonho foi despetalada.

Era como se eu quisesse nunca ter sonhado,

Por não saber esperar a esperança

Dentro dum sonho que nunca esqueci.


Conhecer é caminhar sem volta pela ruína,

Mas amar sozinho é não ter para onde ir.

Desposada a imensidão,

Descobri que havia extraordinário

Nas pedras e sementes, nas crianças e nos colibris.