terça-feira, 5 de outubro de 2021

Despedida


O derradeiro adeus nunca é dito;

Olhar vazio de quem jaz morto.


Queria ter tido mais tempo... Queria tivéssemos mais tempo...

Mas provavelmente desperdiçaríamos com ingratidão o tempo adicional concedido.

Mais um dia, sete dias, 236,54 dias? Ou um século emocionante sem alentos?!


Meu coração improvisado, ganhei num transplante indelicado,

Dentro dele há dois: tudo que foi legado se soma ao não planejado pelo primeiro proprietário.

Um, quer viver todas as im-possibilidades, o outro, dorme para não ter de vivê-las...

Não há democracia, acordos civilizados ou regime de livre mercado entre os dois habitantes.


Mais tempo pra quê, mais tempo pra quem?! Aproveitaremos o perdão concedido, ou teceremos outro desencontro? 

Temos o que nos foi concedido para que realizássemos nossa quota de bobagens;

E não há módicas prestações ou rescisões contratuais ao acaso do talvez,

É a temperatura da indiscrição para dias fúteis.


Ah esse amor cascudo, vê-se que nos pede demais.

Deixa então arrastar meu olhar para o cais profundo, para a estação do trem do leva-traz de todos os cantos do mundo.

 Às dores dos mais noturnos, há de se dar adeus sem des-sorrir, mas também sem sorrir demais. 

Vai e se despede oh vontade de vida, marinheiro dos marinheiros dos maneirismos meus,  

Dos hábitos e crimes soturnos nascidos de amores vãos desde velhos carnavais.


Tenho uma queda por bichos e setembros barrentos de um barro vermelho e rachado;

Ainda tenho uma queda detestável por mulheres sinceras e más.

Se me enrosco, vivo enrascado...

Sei que sou estação sem destinos prefixados ou bilhetes carimbados, sei que sou tempestade que se rasga fora de época.

Mas farei adeus feito menino que brinca de Deus, só para não sofrer o desatino de me perder em sonhos que não são meus.


No fim confesso minha maior queda: pelo estrago, pelo excesso, tudo que transborda!

Só não sei dar adeus aos maus hábitos de que me censuram, de me dar sozinho, mergulhar sem pedir licença, mesmo que você me peça licença.

(Sou mal educado dos sentidos)


Amo! Tanto que tive de morrer. Mas me fica a memória da hora mais delicada da flor.

E antes mesmo que eu acreditasse realmente que tudo ficaria bem, fingi apenas acreditar,

Talvez só para frustrar desafetos e fazer sorrir aos que amo sem protestos.

Tudo que foi vivido, seja feito porto feliz que vencido despede-se de tanta nau linda, que cede à vontade de deixar a terra pra ganhar mar.


Só não suporto os hipócritas, os frios de caráter, os que terceirizam responsabilidades,  decisões, desejos e afetos que são incapazes de expressar;

Desprezo os dissimulados, os covardes que silenciosa e sorridentemente nos cravam o punhal pelas costas,

E ainda se vangloriam e se justificam feito mártires devotos pelo ardiloso crime.

Essa gente que não é  gente, mas sapos sem nobreza, amor ou fibra. Essa corja me enoja.

Os desprezo profundamente. Deles não trarei saudades, mas arrependimentos.


Minha vida tem sido um barco singrando agitado, e já não ligo que seja assim ou assado. Apenas sigo à penas, há penas...

Aprendo e degusto tudo ao meu alcance. Eu de cá prometo fazer meu melhor lance nesse a diante. 

Tomara quem fique faça o seu.


Sei que vou e volto contraditório, mas eis que de repente em meu sonho medonho me reponho,

Antes de onde estava, antes de toda gente, só fui lá diante para me perder outra vez.

Salto entre mundos e muros, mercados, casas e causas dentre avexosas noites;

Admiro sem sê-las as quase metades que nunca se cansam; o faço distante dum vil letrado de anel brilhante, “eu sou eu, nicuri é  o Diabo...”


Doce brincadeira de amarelinha na pequena cidade de capelinhas, me movo de novo,

 Defronte à padaria do português lá da esquina, aquele de quem nem mal falo bem.

Vou para onde possa adoçar a dor de outros que poderão adoçar as minhas.

E há quem no meio da confusão tenha partido sem dizer nada, 

Já sabendo que era tarde, e que ninguém pôde mentir, sequer fingir, dizer que não...


Era noite alta, e a claridade dessa solidão me fez mais forte pra compreender que nunca estamos sós.


Tenho tanto a dar... Mas agora penso que não temos mais lugar.

Nada é pior do que ser sacudido feito boneco do destino ou capricho alheio;

Nada é  pior que conviver com os puros, os que andando juntos se creem justos e dotados de qualquer missão...

Gente que não distingue supostas boas ações e vontades entregues em orações,

Das consequências impremeditadas das tramas do tempo do mundo;

Gente binária e sem amor.


Não deixemos que pequenas palavras se estiquem em demasia para além do que merecem:

Como fossem um apito renitente de chaleira secando a vida sem vontades;

Como fosse o zumbido irritante de bomba que efêmera explode e treme.


Há coisas que morrem antes,

Coisas que precisam que se apague a luz, avise aos vizinhos e se entregue as chaves.

Sem vinco ou viço, pedem que se regue pela última vez as plantas como sinal de boa vontade...


O cão amuado escondido no quintal morreu de fome; parei de alimentá-lo,

E o tempo nem sempre é a cura, mas apenas um morrer de fome, infecção ou inanição do que não foi cuidado, ou que precisa ir...

Mas se for por orgulho, não se precipite em dizer adeus, pois não será assim que encontrará a paz desejada no exílio do tempo.


Essa vida talvez seja irremediável despedida, 

Muitas vezes sem chance de volta, adeus, ou de arrumar malas e bater as portas e botas... Sem sequer sentir saudade - mas quem sabe?


As vezes alegria nostálgica da lembrança que doce, 

Outras, suspiro amargo aliviado diante do que  faz morrer por cansaço.

Num caso é mover imóvel quando tudo já se foi, 

Noutro, alegria triste por amputar um membro mórbido e ainda assim seguir.

Seja como for, ambos são um dar boas vindas a outro começo, quem sabe, não se repetindo em erros.


Dar adeus mesmo que em silêncio é  tentar avisar ao tempo o que só podemos fazer retecendo o espaço dum agora feito distanciamento.

Sei que lirismo assim anda fora de moda, 

Mas também sei, ainda dói demais se a partida convence menos que o desejo de voltar atrás.

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