sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Teu beijo é meu silêncio


Meu sonho, alento de sonhar-te,

É a janela intacta em que me reconheço.

E o meu peito, confissões já findas

Onde me acumulo, ausente de pensamentos:

Tua mão toca e dissolve o que em mim ainda é ruína,

Eu te beijo e acolho, o que em ti é sombra e mistério...


Ando a falar e caminhar flores e estrelas,

A resgatar pássaros, reis e os que se vão.

Semelhante a um estrangeiro louco ou criança,

Pois que em mim nada será vão.

Incerto que sou de tudo,

Como sou certo de que vives em mim?

Febrilmente vibra a carne,

Incessantemente germinando,

Me alegro em silêncio, dia e noite dedicado a ti.


Já não bastaria olhar os campos com ternura,

Desvencilhar-me de anseios futuros;

Echer de poesias brandas

As paisagens por detrás dos muros.

Quero visitar-te em minha fome-quando-arte impregnada de tempo.

(Quero caminhar juro contigo)


Não  deixarei que nenhum fragmento de vida ou morte

Sofra mais meu descaso.

Queto doar e acarinhar até o que não responde, o que não pertence;

Até que um dia tornar ao útero da terra

E lá, de repente, me alojar...


Eu te busquei como se levasse a cura,

Apaziguando sede e insônia de quase mortos.

Mas em ti redescobri: era eu quem convalescia,

Abrigando o frio de um morto.

Tu me trouxeste repouso e virtude,

Lubricidade da renúncia.

Eu cri, todas essas coisas não passavam de falso conforto.

Mas quando tive a beleza das coisas naturais que me trazia,

Enxerguei o quanto eu era pobre... 

O quanto estava gasto...


Ah quisera beijar-te amanhã

Com o mesmo silêncio com que te beijo hoje...

Reivindicar teu sorriso, catedral de anjos caídos...

Teu mistério põe brumas em meu céu convicto.

Meu beijo, é o manto natural com que te visto

E, no entanto, tu és riso matinal que desperta,

Cheio do gládio e frescor de quem tem nascido.


O meu desejo de ti é uma fé primitiva que reconcilia...

Fosso abismal já sem ânsias efêmeras...

E o teu corpo, coisa indivisa,

Prelúdio e vida que me arrasta e cria...


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