Eu tinha medo da poesia!
Meu monstro civilizador: bem alimentado, mal fosforescente sobre a pele.
A queria minha, poesia, mas tremia feito em febre do rato quando perto.
Eu temia que ela me revelasse pequeno.
Diz a escola: a poesia é parágrafo a parte no de profundis do ser.
(Naturalmente, o "comum dos homens" nada saberá sobre ela, já que "nada" sabe sobre o ser?)
Poesia: excentricidade adolescente para amadores de temporada; recheada de clichês!?
E quem ainda quer carregar o fardo do ser profundo?
Escola às vezes é máquina de afastamentos. Poesia, máquina do tempo, encurtamento de lonjuras...
Na escola ficamos com a xepa dos instrumentos. "E lá se vai mais uma empilhadeira de tropos poéticos, resina de rimas cadentes; fuligem de métricos..."
E na poesia dos reconcilios há até papos com mortos.
Seria eu um Kardec literopical? Escolhido merecidanente para tão nobre e mal pago hábito? Seria suficientemente elevado, hábil, nostálgico e espiritual?
Quem honrará a poesia do mundo conforme o canto do poeta profundo?
(Não sei o que seja um poeta profundo)
E tive tanto medo do rotundo, que me borrei de letras pela ponta da esferográfica.
Eu, animal miúdo saído porta da escola de volta pra casa;
(Que belo tropeço de cara na pintura!)
Introvertido, quebrei a face do descontentamento na face do “outro" moldura.
Caminhei por não contadas horas entretido na rua alheia de unguentos...
Uma sombra de mim se assenhora; quem sabe a medonha me bate a porta das horas?
A rua era nova e sem postes ou pontes, sem pavimentos, placas, traves ou escoras.
Precisei, preciso, precisarei!
Escrever!
Alumiar a pegada das coisas.
Escrevo porque acontece um ruído...
O silêncio, excitação muda no que se quebra.
Ninguém vai lá perguntar à aranha porque tece a teia... Ficaríamos intrigados se de repente ela desistisse, ou pior, replicasse: "Teço pois é minha vocação", ou então: "porque gosto, e preciso comer..."
Há uma guerrilha denyro do meu risco,
E esse medo da beleza me fez por tempos ler poucos poemas. Ou ler como se fosse ritual sagrado em segredo, perigosíssimo se mal executado.
Mas a boa poesia é arte de quem sem peias não se conforta à violência dos monopólios, oligopolios, trustes e lobies decadentes...
Mal sabia, a fonte e a fome eram de todos; de toda vida e farsa...
Sei um pouco, mas muito pouco mais que outrora,
Quanto mais consinto a dor e a delícia de outros.
A dúvida também me apavora!
Talvez a poesia seja hoje dom de bardos deserdados, .
Já eu, gostava de pensar como Pessoa: o poeta era um fingidor!
Mas até aí vai nada bem, já que eu mesmo me enganava.
Eu, que escrevia querendo a verdade escondida na alma.
Mas a verdade poética não se esconde, é relva sutil e dispersa ainda por ser recuperada,
Terra aberta que se cativa com afago,
Não pela força do ego violador.
A poesia não existia pra mim antes da dança;
Eu não existia antes de dançar com ela...
Mas a vida é maior que o texto, maior que o quebrar do vento; texto precisa "se esforçar" pra não fracassar copiando a vida;
A poesia mais parece vida com vida em outra cor ainda não nascida.
Corte costurado pela flor sem nome.
A música já tem seu direito ao movimento, só por ser música.
A poesia tem de conquistar a heresia na contração de verbo-dentro-da-boca;
Quebra num salto o ar, trazendo de volta a melodia esquecida.
Minha primeira poesia foi sobre formiga e nuvem, e ainda não carecia de palavra.
Minha segunda, sobre o amor.
Queria que a mulher santa e desejada soubesse o valor do amor despedido.
Pra que ela me amasse devidamente desesperado;
Queria que quando lesse meu desespero-poema, o amor despencasse a primavera...
Mas isso "era" eu, não sou mais... Isso era eu, não era ela...
Minha terceira poesia foi sobre morte e primavera.
Hoje pouco se lê poemas,
E há mesmo reticentes fascínios;
Adoração e incompreensão impacientes diante do poeta morto.
E para o poeta vivo ainda pior: talvez esteja mais morto que os mortos jamais puderam estar...
A um só tempo indispensável e obsoleto...
Há frases - quando há- no Insta bem mais curtas e proativas para as esperanças dos seres aligeirados,
Que as frases angustiosas de poetas densos, lentos na peleja...
Envolvidos nos dramas do mundo.
Poesia agora é "coisa de velho", lugar comum dum sublime esquecido.
E há quem diga: guardiã da memória ainda não feita história.
Se o for, que desastre o de ser a maior esquecida;
Esperança que morre, levando consigo todos demais defuntos sem glórias...
Ah, esse labor duríssimo de buscar palavras
Num penoso recinto, nevoento leva e traz incômodo de mundo;
Labor tantas vezes ocioso de pedantismos.
Por favor, que ninguém se puna por não sentir “certo”... O manual dos sentimentos está sempre em aberto.
Não se culpe por não estar de acordo...
A poesia ama os "desacordados"... Pior é não sentir...
Poemas são feridas e encontros, ou encontro do qual não se sai ileso.
Com quais palavras poderei dizer "Te Amo"? Com quais escutará? Como direi do seu jeitinho tão seu; fazendo com que me entenda, mas que também não me entenda letra por letra jamais?!
Qual extravasamento quieto deixarei feito ranhura, ou entre rachaduras duma ruína desbotada? E qual criança buliçosa poderá por ventura fundar seu próprio esmerilho?
Escrever, escrever! Para uns, pode ser vital...
Estamos sós, e a poesia que é memória, no tempo do agora escarafuncha a solidão que faz lembrar do esquecimento de tantos e tantas coisas.
As vezes, só por dizer, morria e ressuscitava em nervuras.
Se palavras matam e adoecem, elas também dão a vida que aquiesce. Ou pelo ao menos dão dignidade ao perecer.
(Nascer e desnascer... )
(Lembrar para esquecer)
A poesia desperta um animal ferido, fofo e virulento,
É um encontrar no deserto o jardim das delícias e espinhos todos juntos e misturados. Alguns, malditos...
Dizer morte pra quem sabe não matar.
Quase tocar o dizer o não e o mal... Se têm palavras ao chão na disposição pra se perder.
Poesia, arte do impossível.
E a arte, se for o caso, deveria causar medo apenas no opressor, não no oprimido!
Deveria libertar!
O poeta esteve na borda de tudo e olhou pela janela,
E amou, e odiou;
Fez artesanato do que encontrou, pedaço a pedaço desse presente ingrato:
Do mundo se curam leitor e poeta em recitario.
Em minha defesa digo: tentei modelar com mãos hábeis o amor.
O poeta perdeu o bonde e ainda não sabe.
Esse lembrar das culpas sem se tornar culpa,
E escrever, porque escrever com o mundo é uma ordem sem rumo, sem ninguém que ordene.
Talvez a melhor forma de fazer maior a nossa poesia seja desistir de ser sua medida.
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