sexta-feira, 3 de julho de 2009

BALÉ DOS NOCTÍVAGOS

I
Ofereço-me neste à diante
Como fosse mãe, um astro que paira
Ou flor em beira de estrada.
Na trama distorcida dos meus olhos
Persistia ainda um requinte de miragens.
E já não queria mais estar só comigo.

Se me perguntassem o que faço,
Responderia: apenas danço!

II
O hálito matutino me invade,
E era flor estranha aquele vento
No mesmo lugar em que as coisas morrem.
Mas eu era vida
Cheia de coisas tingidas e sensuais,
E palavras persistindo-se à exaustão de tudo.

Bordéis e bêbados em ressaca,
E o silêncio trazido numa nuvem fria
Ocultava a derradeira estrela já sem firmamentos.
Vi putas e meliantes andando juntos,
Devorando-se e a nós, que em lirismo desabusado
Convínhamos apenas.

Raspada a noite em sua última gota de violação e risco,
Fecharam-se os corpos sedados em armaduras de silêncio.

III
Creio o horizonte nevoento,
Mas são meus olhos opacos que enfeixam.
Amo mulheres que se abandonam a mim,
Mas em vão vigio meus olhos inquietos
Para cobiçarem apenas o que não morreu,
E que descansem...

Inevitavelmente trago esse desejo de cais, de gares,
Uma condição de estrangeiro aporta em meu corpo.
Pudesse tornar-me livre e ser outro que não o eu de agora,
Pudesse ser mais forte, terno e distante do que me é mesquinho.
Mas seria apenas outro,
Também desejoso de ser livre,
Também em busca de felicidade, reconhecimentos e realizações.

IV
Na escalada do tempo todos estavam descalços.
Na festa fantástica das horas
O vento foi mais pavoroso
Para quem não coube nos nervos da incerteza.

Conto essas coisas como se as soubesse bem,
Mas bem, apenas me sei erguido pelo avesso:
Semelhante a um velho, maravilhado diante das coisas vistas,
Feito criança, sereno diante das que não vi,
Feito homem, limpo por não ter lavado as mãos,
Ou quem sabe sóbrio por ter tomado a dose precisa.

Ah vida, és jogo de acaso e destino...
Não mais nem menos que vida vivida,
Não mais nem menos é qualquer vago e misterioso fato,
Sem ato ou efeito de transpor

Lembranças de estradas e limosidades...
De canções ao vento e jogos de gude...
E o lume de búzio sob o mar irisado...
Tudo prontidão de ciranda e silêncio.

Onde se perdeu esse "eu" tão lembrado quanto irreconhecido?


V
Manhã cintilante e enevoada
Dai-me o cheiro du mar...
Manhã achegada de calma contente,
Mais me colhe e embrutece:
Revés dos revezes d’outrora.
(Medito-me no que parto)

Afora, inda sou atávico,
Desejando minha cama feito bicho açoitado...
Amando meu corpo desgastado,
E essa mortalidade mais que tudo...
Assim como todas as noites passadas e futuras,
E todos os dias, até os mais infelizes.

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